Tornaram-se frequentes manifestações racistas nos campos de futebol, acentuadamente os europeus. De tão frequentes, parecem fazer parte da regra do jogo, impondo-se como um padrão inviolável que baliza as reações dos criminosos torcedores. Mas por que tais manifestações se repetem e ganham a dimensão que ganham? O exemplo mais recente estremece as bases da comunidade planetária. Ou pelo menos deveria. Vamos aos fatos. Torcedores do Atlético de Madrid penduraram um boneco negro, com a camisa 20, uma inequívoca alusão ao jogador brasileiro Vinícius Jr., mais conhecido como Vini Jr., do Real Madrid. A imagem não deixa margem à dúvida, trata-se de uma cena de linchamento que escolhe o alvo de sempre: corpos negros e assemelhados.

O próprio jogador Vinícius Jr. disse que situações como essa se repetem porque os criminosos não são punidos como deveriam. Efetivamente, os clubes não fazem nada mais do que repudiar os atos racistas. O boneco enforcado é sinal estridente de que chegou a hora de decisões mais enérgicas para evitar tamanha manifestação de ódio, travestida de rivalidade futebolística. Mas, ao que tudo indica, a repetição encontra amparo no racismo nosso de cada dia que se conecta com práticas residuais que sedimentaram as camadas de nossa existência coletiva. Linchamentos de corpos negros nos EUA e no Brasil, para ficarmos apenas em dois casos, foram mola propulsora da destituição das humanidades subalternizadas, azeitados pelos ideais de supremacia branca. Como não lembrar os enforcamentos de negros nas árvores em pleno século XX nos Estados Unidos? Como não atentar para os persistentes linchamentos de pretos e pobres, quase todos pretos?

Torcedores do Atlético de Madrid penduraram um boneco negro perto do estádio. Trata-se de uma alusão ao jogador brasileiro Vinícius Jr. O episódio é uma representação de ódio travestida de rivalidade futebolística

Uma prática residual, como lembra o sociólogo Raymond Williams, não é simplesmente uma prática arcaica. Esta diz respeito às formas históricas que não servem mais para nenhuma função cultural reconhecida. Aquela concerne àquilo que pode permanecer na memória coletiva, ser usado como recurso para a construção de laços sociais. Como somos testemunhas, o linchamento nos campos de futebol e fora dele é prática que permanece na memória coletiva porque laboramos para que se torne perene e tido como força do hábito que revela com o que pactuamos enquanto sociedade e indivíduos.