DITADOR Nicolás Maduro vota com o retrato de Simón Bolívar ao fundo: poucas chances da oposição em 2018 (Crédito:CARLOS BECERRA)

Alheio à crise que devasta a Venezuela, o presidente Nicolás Maduro, em sua última manobra política, conseguiu legitimar mais uma fraude que faz do seu governo uma ditadura. Nas eleições municipais realizadas no domingo 10, o presidente e o Partido Socialista Unido da Venezuela aproveitaram-se de um boicote organizado de maneira pouco efetiva pela oposição para conquistar 308 das 335 prefeituras do país. Com o poder consolidado, ele anunciou que todos aqueles que participaram do boicote não poderão disputar as próximas eleições presidenciais, previstas para o segundo semestre de 2018. Enquanto seus opositores lutam para se unir, Maduro aproveita a falta de organização para planejar sua reeleição.

“O governo venezuelano sabe que perderá nas urnas se oferecer
tudo o que a oposição pede. Por isso, é difícil ficar otimista”

David Smilde, professor de Sociologia da Universidade de Tulane

Erro de estratégia

“Um boicote, se bem realizado, pode deslegitimar um governo”, afirma David Smilde, pesquisador de América Latina e professor de Sociologia da Universidade de Tulane, nos Estados Unidos. “É uma estratégia arriscada, porque significa que você abre mão de cargos eleitorais que normalmente ganharia para um governo que supostamente já está abusando do poder. Nesse caso, foi o pior cenário possível”, diz. O boicote foi apenas parcial. Os principais partidos da oposição resolveram aderir, incluindo o Vontade Popular, de Leopoldo López, e o Primeira Justiça, de Henrique Caprilez, que perdeu por pouco as eleições presidenciais de 2013. Mas candidatos de menor expressão participaram do pleito. Para piorar, apenas 47,32% dos eleitores foram às urnas. O resultado foi mais uma vitória expressiva do partido de Maduro. A oposição já havia perdido poder nas eleições regionais, em outubro. Assim como no pleito do dia 10, a maior parte da população simplesmente deixou de votar. Sem uma liderança unificada, é possível que o resultado de domingo não fosse muito diferente, mesmo se nenhum partido tivesse aderido ao boicote. Mas o problema é maior agora, já que as prefeituras na Venezuela têm papel importante. Elas podem aumentar seus fundos por meio de taxas e têm suas próprias forças policiais, responsáveis por controlar os protestos. Em cidades dominadas pelo governo, portanto, será bem mais difícil organizar manifestações contrárias a Maduro.

BOICOTE Além da ausência de candidatos dos principais partidos de oposição, a própria população não foi às urnas (Crédito:CARLOS BECERRA)

Penúria econômica

A manobra do presidente venezuelano foi criticada pelos Estados Unidos. “A tentativa de Maduro de banir partidos opositores das eleições presidenciais é outra medida extrema para fechar o espaço democrático na Venezuela e consolidar o poder de sua ditadura autoritária.” escreveu Heather Nauert, porta-voz do Departamento de Estado americano, em seu Twitter.

A situação da Venezuela inspira pouca confiança tanto para a população quanto para os partidos opositores. A inflação continua subindo e o Fundo Monetário Internacional estima que ela possa chegar a 2.068,5% em 2018. Comida e remédios estão acabando, a criminalidade aumentou e a produção de petróleo, responsável por 95% das exportações do país, cai todos os dias. Os Estados Unidos impuseram sanções ao país, proibindo negociações sobre títulos emitidos pelo governo venezuelano ou pela estatal petrolífera PDVESA e sobre novas dívidas. Na política interna, as eleições presidenciais, previstas para o segundo semestre, podem ser remarcadas para o primeiro semestre. Dessa maneira, Maduro seria ainda mais beneficiado pela falta de união da oposição.

“Maduro tem a vantagem política, mas seu ponto fraco é a economia”, diz David Smilde. Mesmo mostrando que não se importa em empobrecer a população para se sustentar financeiramente, o governo encontra dificuldades para achar financiadores após as sanções americanas. Rodadas de negociação realizadas na República Dominicana entre aliados de Maduro e a oposição oferecem uma pequena esperança para ambos os lados. Se os opositores forem atendidos em alguns pleitos importantes, pode ser que o governo americano alivie as restrições.

De acordo com Javier Corrales, professor de ciência política da Amherst College (EUA), regras mais claras em 2018 e a realização de uma primária para escolher um candidato único devem ser os principais pontos da estratégia dos partidos de oposição. É preciso ainda que haja tempo para mobilizar os eleitores e garantir testemunhas nas cabines de votação. “É difícil enfrentar o autoritarismo em eleições municipais. É mais fácil competir nas eleições presidenciais”, diz Corrales. Mesmo assim, dificilmente o presidente oferecerá condições propícias. “O governo sabe que perderá se permitir tudo isso”, diz David Smilde. “É difícil ficar otimista”, afirma.