O senador eleito Cid Gomes (PDT-CE) recebeu ISTOÉ na noite de terça-feira 15 no gabinete do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Usou o escritório do colega como base na sua vinda a Brasília esta semana. É um sinal de como andam azeitadas as conversas para a formação de um bloco reunindo PDT, Rede, PSB e PPS. Conversas semelhantes acontecem também na Câmara, envolvendo ainda o PCdoB. A ideia é promover um novo modelo de oposição, que fuja da polarização que tem marcado o debate político nos últimos anos. Nesse sentido, Cid trabalha para eleger para o comando do Senado alguém que não se alinhe automaticamente ao governo, nem faça oposição sistemática. Para ele, o debate maniqueísta tem feito com que o país fuja dos temas importantes para se perder em discussões acessórias que ele classifica como “ridículas”. Como o debate sobre o “perigo marxista” na educação. “As escolas brasileiras não estão ensinando nem o bê-a-bá, vão ensinar marxismo?”.

As eleições sinalizaram um grande desejo de renovação. Mas no Congresso, ao que parece, haverá a reeleição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a volta de um ex-presidente do Senado, Renan Calheiros. Isso não vai na contramão desse desejo do eleitor?

Fundamentalmente o que marcou estas eleições foi uma manifestação de negação da política. E, de fato, isso se colocaria como um paradoxo. A Câmara e o Senado são ambientes obviamente da política. Mas não necessariamente a ideologia ou o pensamento dos candidatos a presidente será o fator decisivo para a definição. Prezam-se muito relações pessoais. Questões partidárias. São fatores que acabam ficando meio descolados. Não está aqui nenhuma simpatia minha nessa avaliação por uma candidatura ou outra. Na Câmara, me parece natural a candidatura de Rodrigo Maia. No Senado, surpresas poderão acontecer.

O PDT trabalha pela alternativa da candidatura do senador Tasso Jereissati, do PSDB?

Na Câmara, o partido se reuniu, ouviu manifestações dos componentes da bancada, e, de forma majoritária, foi manifestada uma simpatia pela candidatura de Rodrigo Maia. E o argumento mais forte foi que, como presidente, ele, mesmo sendo uma pessoa mais conservadora, preservou os espaços das forças mais progressistas. Mesmo havendo essa manifestação, não houve uma decisão partidária de apoiá-lo. Nós vamos procurar até a exaustão a preservação de um bloco que se deseja criar unindo ao PDT o PSB e o PCdoB. Isso é uma questão importante. O PSB parece ter uma posição majoritária contra a candidatura Rodrigo e isso levava a não haver ali uma definição nossa. Em relação ao Senado, eu tenho defendido que a gente também constitua um bloco e tome uma posição conjunta. O bloco ainda não deliberou sobre nomes. Espero que a gente possa reunir uma espinha dorsal que leve em conta uma postura que não seja nem de alinhamento automático ao governo nem de oposição sistemática.

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Renan poderia ser uma ameaça a essa necessidade de não se cair no alinhamento automático ao governo nem na oposição sistemática?

A conjuntura de hoje não recomenda uma candidatura como a de Renan. A simpatia que há no Senado por ele é porque os senadores reconhecem nele uma pessoa de palavra, que enfrenta quem ofende o Senado. No entanto, os mais novos enxergam no Renan o protótipo do que há de mais antigo na política. Então, eu acho que essa não é uma boa hora para ele.

 

Que papel o senhor defende para um bloco oposicionista com relação ao novo governo? No que ele deve diferir do modelo de oposição que já conhecemos?

Nós temos papeis e responsabilidades distintas. O PDT será um partido de oposição. Que vai se diferenciar do Psol ou do PT porque, embora concorde na divergência, não concorda com a proposta que vai se colocar no lugar da proposta apresentada pelo governo. Além disso, a gente deve ter uma preocupação com o futuro do país. Se não é possível que a gente atinja o nosso objetivo, a gente pode contribuir no sentido de que se dê um passo na direção que a gente quer. É assim que eu enxergo uma oposição razoável, uma oposição que pensa no futuro. Não é porque instantaneamente a proposta não é igual à minha que eu vou discordar totalmente dela.

 

Quando o PT vai à posse de Nicolás Maduro ou se manifesta contra a extradição de Cesare Battisti, não acaba fortalecendo um discurso contra o partido que compromete talvez todo o esforço de oposição?

Eu ando me disciplinando para não ficar fazendo comentários com relação à postura do PT. Fui companheiro do PT nacional. Sou companheiro do PT no Ceará. Entendi que o PT não é uma coisa só. Tem várias correntes lá dentro, várias posturas. Mas eu fico preocupado às vezes com o país por conta da prevalência dessas pautas que não são fundamentais, não são importantes. O Brasil se posicionar quanto aos países latino-americanos tem sua importância, mas afeta muito pouco na vida da grande maioria das pessoas. Também essa agenda de costumes, essas coisas da ministra Damares Alves, eu sinceramente acho isso tudo distração. A gente tem que encontrar soluções para o problema do desemprego, para o empobrecimento, a desindustrialização do país. Isso é que deveria ser colocado como pauta. O papel do Brasil com relação à Venezuela deve ser acompanhar e pensar nos seus interesses de balança comercial. Tudo mais é distração.

 

Falando nessa discussão sobre costumes, além da ministra Damares, há o discurso do ministro Vélez Rodrigues. O senhor foi ministro da Educação. Há um perigo real de disseminação nas escolas de um pensamento marxista?


A escola brasileira não está ensinando nem o bê-a-bá, nem a aritmética básica, e esses caras ficam imaginando que estão ensinando marxismo… Vamos cuidar de melhorar o nível de aprendizado das nossas crianças e não ficar distraindo a atenção com essas coisas ridículas.

 

Como o senhor avalia essas primeiras três semanas de governo Bolsonaro?

A nossa disposição é que a gente deve sempre respeitar o resultado das urnas e dar um crédito de confiança ao novo governo. Agora, do jeito que as coisas estão no governo Bolsonaro, esse crédito está ficando cada vez mais difícil a gente dar. É tanta polêmica inútil, tantos atropelos, tantas reviravoltas, tanto vai-e-vem, que realmente fica difícil.

 

Passa uma impressão, tanto da parte do presidente Bolsonaro, quanto da parte do PT, que ambos não querem abandonar a campanha, a polarização que estabeleceram no país. O senhor concorda?

Isso é muito claro. Para que um viva, é importante que o outro seja uma ameaça. É importante que o público de Bolsonaro continue enxergando o PT como ameaça. E para o PT sobreviver, é importante que a ameaça Bolsonaro, no que eles colocam como ameaça, permaneça muito viva. Eu prefiro esse caminho mais complicado, mas que é mais consequente, mais responsável, e que de fato pode melhorar a vida das pessoas. Precisamos retornar à racionalidade.

 

Esta semana, o governo anunciou o decreto que flexibiliza a posse de armas. O senhor elegeu-se senador pelo Ceará, que vive um problema gravíssimo de segurança. Armar a população ajuda?

Primeiro, é preciso entender melhor o problema do Ceará. O que está motivando o conflito no Ceará é uma decisão do governo cearense de enfrentar uma realidade que é comum a 90% dos Estados brasileiros. Os Estados brasileiros se renderam às facções criminosas. Elas tomaram conta dos presídios no Brasil inteiro. E o Ceará resolveu enfrentar isso. Obviamente, isso gera uma reação. No final, nós podemos sair lá disso fortalecidos. O Ceará está enfrentando. E tudo indica que está conseguindo vencer.

 


E quanto à posse de armas?

Esse decreto afronta a Polícia Federal. Quando tira o papel regulador, fiscalizador prévio da PF. Os prejuízos podem ser gravíssimos à população. Você permitir que uma pessoa compre até quatro armas, desde que não tenha ficha na polícia. Vamos à prática. Você pode ser um bandido e tem uma mãe, um irmão, um filho com a ficha limpa. Eles podem comprar quatro armas e depois passar para você. Mas isso também me parece medida de distração. Pode trazer consequências graves, pode ampliar a violência. Me parece também que esse é um daqueles temas que não vão de fato melhorar a vida das pessoas.

 

E a reforma da Previdência?

Previdência está umbilicalmente ligada a uma coisa chamada cálculo atuarial. As contas têm que bater. Se houve uma mudança de perfil na humanidade, uma elevação da expectativa de vida, é óbvio que a Previdência precisa ser rediscutida. A Previdência consiste em se guardar um pouco a cada mês da renda com salário para sustentar no final a aposentadoria. O modelo foi concebido para um tempo em que a pessoa vivia em média até os 60 anos. Se hoje a pessoa ultrapassa os 70, a conta não fecha. E o serviço público notadamente acumulou ao longo da história muitos privilégios. Há contas diferentes. Perfis atuariais diferentes. E só há situações de importância social, se contabiliza fora. Trabalhador rural, por exemplo.

 

Quando o senhor deixou o Ministério da Educação, foi a partir de uma reação à pressão da velha política. O senhor acredita que é possível governar sem o toma-lá-dá-cá?

Naquele episódio, eu me indispus com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Fui convocado a ir ao Congresso. O que não é comum, geralmente o que há é um convite. Não fui com posição beligerante. Fui para tentar um armistício. Mas o ambiente estava organizado para me desmoralizar. E eu prefiri perder o cargo a perder a minha honra. Reagi. Entreguei o cargo, e Dilma aceitou. Se eu fosse a Dilma, não teria aceito minha renúncia. Porque ali foi o primeiro teste de Eduardo Cunha para desestabilizá-la. Quem dita a relação entre Legislativo e Executivo, é o Executivo. Se o Executivo se impõe e é coerente, o Legislativo acaba aceitando. Se não, se cria um clima beligerante. Fui governador e prefeito e terminei sempre com apoio dos deputados e vereadores. Sem toma-lá-dá-cá. Sem essa história de cargo, porteira fechada. Dá mais trabalho. É mais complicado. Mas é possível.

 

O senhor enxerga essa capacidade no governo Bolsonaro?

(Risos) Essa pergunta é para rir?


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