A hiperinflação representou um dos períodos mais nefastos da economia nacional, desafiando pessoas e empresas. Mas propiciou que o sistema financeiro brasileiro se tornasse um dos mais avançados do mundo em termos de tecnologia. Há poucos anos, na gestão Ilan Goldfajn, a agenda BC+ do Banco Central previu uma modernização que aproximasse o País das melhores experiências contemporâneas, em especial vindas na China. Em novembro, a chegada do PIX concretizará mais um salto de modernidade. Os bancos como os conhecemos não serão mais os mesmos. O novo sistema de pagamento instantâneo abrirá as portas para uma série de alterações estruturais que vão mudar a forma como compramos, vendemos e negociamos. Ajudará a incluir no sistema os 48 milhões de brasileiros que vivem à margem do sistema bancário — os desbancarizados.

FACILIDADE Fazer compras se tornará mais rápido, sem maquininhas ou cartões, só com QR Code, como na China (Crédito:Stringer)

O cadastramento começa no dia 5 de outubro. E o sistema passa a operar dia 16 de novembro. Ele entrará em vigor aos poucos. Em um primeiro momento, começa a substituir as transferências clássicas do tipo DOC ou TED. Tudo passa a ser feito de forma instantânea, tanto para pessoas como empresas, 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias do ano. Além disso, qualquer transferência de dinheiro ou compra pode ser feita pelo celular ou até com um smartwatch. Ou seja, se você sair para caminhar levando apenas seu celular ou relógio e quiser tomar uma água de coco ou comprar pão poderá simplesmente pegar o celular, apontar para um QR Code no balcão e pagar, dispensando uso de cartão, cheque e dinheiro. E o que é melhor: as transações deixam de ter custo para a pessoa física e caem muito para as empresas. Do outro lado do balcão, quem vende vai receber o dinheiro pagando taxas menores e, num futuro próximo, poderá até vender sem precisar alugar as maquininhas. E o melhor, receberá o dinheiro na conta na hora. No curto prazo, o Pix ainda pode realizar um sonho antigo dos brasileiros, acabar com os boletos. Empresas e concessionárias de serviços poderão enviar só um QR Code para o pagamento da fatura. “A agilidade da compensação e a possibilidade de fazer pagamentos em qualquer dia traz uma comodidade nunca antes vivenciada pelo brasileiro”, explica Carolina Sansão, gerente de Inovação e Tecnologia da Febraban.

Riscos

O Pix leva em conta experiências de sucesso realizadas em países como a China e a Índia — onda compras corriqueiras são feitas facilmente pelo celular, sem dinheiro físico. No entanto, sua arquitetura é considerada mais completa e complexa, segundo o diretor de estratégia de PME e Open Banking do Itaú, Carlos Eduardo Peyse. Há quase dois anos sendo preparado pelo BC, o sistema contou com a participação de 980 instituições, incluindo os varejistas. Eles ajudaram a estabelecer critérios que permitirão incluir os desbancarizados. Nem tudo é vantagem para os players atuais. Os bancos tradicionais terão impacto na receita com a queda das taxas cobradas pelo DOC e a TED, mas acreditam que acabarão ganhando no atacado atendendo mais gente e reduzindo os custos operacionais. As fintechs e os bancos digitais, em especial, podem se beneficiar, fornecendo novas funcionalidades com mais agilidade. As empresas que trabalham na intermediação de compras — as operadoras das “maquininhas” — também correm para se ajustar. “A vantagem do sistema brasileiro é que ele não é fechado e pode agregar funcionalidades, podendo incluir pagamentos parcelados ou pré-datados”, explica Letícia Murakawa, diretora executiva da Capco, consultoria global de gestão e tecnologia de serviços financeiros. Essa é a segunda fase prevista para o PIX. A terceira é permitir transações offline, em regiões sem acesso à internet.

Com o PIX, os dados também ficarão mais protegidos. Cada um terá apenas de solicitar uma chave ao seu banco, que associará seu email ou número de celular à sua conta. Depois é só fornecer esse dado para que a pessoa faça a transferência. Cada conta só pode ter uma chave, ou seja, se a pessoa tem uma conta no banco A poderá associar ao e-mail e se tiver outra conta no banco B poderá associar ao telefone. “Mas cada chave abre só uma porta”, explica Victor Corazza Modena, professor do IBE, conveniada da FGV. Segundo ele, o cenário disruptivo e inovador exigirá cuidados. Os usuários devem continuar atentos a fraudes. Mesmo antes de começar já surgiram sinais de envio de emails que induzem clientes de bancos a inserir seus dados para o cadastramento das chaves em endereços suspeitos. Os bancos alertam que o cadastro só deve ser feito na página ou no aplicativo da instituição. Levará pelo menos dois anos para que as pessoas se adaptem e confiem. Mas isso deve mudar em pouco tempo, especialmente quando o brasileiro perceber que pode gastar menos. “O brasileiro gosta de tecnologia e a pandemia mostrou que tudo pode ser mais fácil no digital”, diz Letícia.