CRÍTICAS O encarregado de Negócios da Embaixada da Ucrânia, Anatoliy Tkach, diz que Bolsonaro está mal informado sobre os acontecimentos no seu país (Crédito:Fátima Meira)

Há vários motivos para Jair Bolsonaro fazer corpo mole em condenar a cruel invasão da Ucrânia, poupar o russo Vladimir Putin de qualquer crítica e ainda atuar em dissonância com o Itamaraty, que aparece hoje no cenário global atordoado e desautorizado pelo presidente. Além de implorar pela garantia de fornecimento e pelo aumento da oferta de fertilizantes, produtos de vital importância para garantir a fartura da agricultura nacional, ele também levou na viagem para a Rússia, quando pactuou com Putin membros do gabinete do ódio da Presidência, como seu filho 02, o vereador Carlos (Republicanos-RJ) e o assessor Tercio Arnaud, estrategista digital já totalmente dedicado aos artifícios da campanha. Ambos foram entender melhor sistemas de espionagem e negociar algum tipo de ataque cibernético nas próximas eleições. Os russos são especialistas em interferir em sufrágios alheios, como se sabe do caso de Donald Trump, nos Estados Unidos, e têm capacidade digital de sobra para perturbar seriamente qualquer processo democrático e causar estragos à distância em sistemas estruturantes de estados e instituições. É tudo que Bolsonaro quer. Também pesa nessa solidariedade com o presidente russo a identificação militarista e autoritária entre os dois no enfrentamento a todo tipo de causa progressista, direitos de minorias e à globalização. Por seu lado, Putin, que comanda a 12a economia do mundo, tem todo interesse em manter uma relação privilegiada com o Brasil, 11o maior PIB e grande produtor de alimentos e commodities.

ESQUEMA O vereador Carlos Bolsonaro viajou ao lado do assessor Tércio Arnaud para a Rússia: negócios suspeitos (Crédito:Alan Santos)

O custo desse pacto sinistro, que envolve uma declaração de neutralidade de Bolsonaro, tem sido alto para o Brasil em termos diplomáticos. A esdrúxula posição do presidente rende críticas internacionais, inclusive do próprio americano Joe Biden e de autoridades da Ucrânia. O encarregado de Negócios da Embaixada do país no Brasil, Anatoliy Tkach, cobrou um posicionamento de Bolsonaro sobre o conflito e inclusive um maior apoio em uma entrevista coletiva na terça-feira, 1o, em Brasília. Para ele, o brasileiro minimiza o massacre em andamento e ignora os valores democráticos em jogo nessa guerra, que pode se tornar nuclear e envolver uma redefinição do eixo de poder global. “O presidente do Brasil se declarou neutro. Ele pode estar mal informado. Não sabe a situação atual da Ucrânia. Talvez seja interessante ele conversar com o presidente ucraniano (Volodymyr Zelensky) para ver outra posição e ter uma visão mais objetiva”, disse Tkach. Aturdida, a diplomacia brasileira se manifesta de formas contraditórias, expondo um desalinhamento da Presidência com as Relações Exteriores. Na quarta-feira, 2, o Brasil votou favoravelmente à resolução contra a invasão da Ucrânia na Assembleia Geral da ONU, mas um dia antes se expôs de maneira constrangedora: quando mais de 100 diplomatas, representantes de 40 países, em protesto contra a invasão da Ucrânia, deixaram o plenário da Conferência do Desarmamento da ONU, em Genebra, assim que o chanceler russo Sergei Lavrov começou a discursar, o representante brasileiro permaneceu na sala. O Itamaraty tentou se explicar e alegou que não houve coordenação prévia dos outros países com a delegação brasileira, pega de surpresa. A explicação confirma que o Brasil está cada vez mais isolado e se tornando um parceiro pouco confiável do Ocidente, por seu pouco apreço à democracia e à soberania nacional ucraniana.

Bolsonaro, porém, vê vantagens nessa relação com a Rússia. Além da questão dos fertilizantes, dos quais o Brasil depende para garantir as metas da próxima safra, há também o fator cibernético, que interessa muito ao presidente. A ida de Carlos, comandante de marketing da campanha, e de Arnaud para Moscou foi calculada e visou negociações relacionadas às próximas eleições. Há um mercado global de sabotagens e terrorismo digital da direita à esquerda e a Rússia é grande fornecedora de serviços. Na quarta-feira, 2, a Procuradoria-Geral da República (PGR), em manifestação ao STF, pediu explicações ao Planalto sobre a presença da dupla na viagem. Desvendar isso é fundamental. Está claro que Bolsonaro vai ficar em cima do muro sobre a guerra na Ucrânia porque se acertou com o parceiro russo. Ele não dará um pio que pareça ofensivo contra Putin.