Dois rituais, duas decisões da mais alta corte de um país. Na Espanha e no Brasil, tribunais supremos chegam a conclusões opostas sobre a validade de touradas e vaquejadas, costumes ancestrais que ainda provocam discussões entre tradicionalistas e ambientalistas. Em outubro, a Corte Constitucional espanhola anulou a proibição de touradas na Catalunha, região independentista do país onde elas estavam banidas desde 2010. No mesmo mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro considerou inconstitucional uma lei que regulamentava a vaquejada. Os casos foram vistos como uma derrota dos conservacionistas na Espanha, e uma vitória no Brasil. Menos de um mês depois, porém, houve revés para os protetores dos animais, com a aprovação no Congresso de projeto que considerou a vaquejada patrimônio cultural na terça-feira 1. “Essas questões hoje são discutidas mundialmente”, diz Antônio Guimarães, professor de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “É natural que reivindicações sobre os direitos dos animais cheguem às duas nações.”

BATALHAS: Vaquejada cearense
BATALHAS: Vaquejada cearense

Na Espanha, a decisão da corte mexeu em dois vespeiros, o dos direitos animais e o do separatismo catalão. Na região, as touradas nunca foram populares como em outras áreas do país. Há seis anos, o parlamento da Catalunha baniu a modalidade, sob o argumento de que causava sofrimento desnecessário. Agora, juízes espanhóis concluíram que políticos locais não podem deliberar sobre a questão, pois as touradas são um patrimônio de toda a nação. A decisão foi vista como política, pois se deu num momento em que tensões independentistas estão efervescentes devido a embates jurídicos.

No Brasil, o STF decidiu sobre a questão das vaquejadas, prática popular no Nordeste em que cavaleiros devem derrubar bois puxando os animais pelo rabo. Os ministros consideraram que há “crueldade”, e que a proteção do meio ambiente sobrepõe-se aos valores culturais. O julgamento se refere à inconstitucionalidade de uma lei que buscava regulamentar as vaquejadas no estado do Ceará. O parecer não proíbe o esporte diretamente, mas pode servir de jurisprudência para restrições posteriores. Ambientalistas comemoraram a resolução, mas a festa durou pouco. Menos de um mês depois, os vaqueiros conquistaram uma vitória no Senado, com a aprovação de lei que dá à modalidade status de patrimônio cultural. A matéria seguiu para sanção presidencial.

Dois lados

A maioria da população da Espanha é contra as touradas. Em janeiro, uma pesquisa do instituto Ipsos Mori constatou que apenas 19% as apoiam, diminuição de cerca de 10% em relação a levantamento feito há três anos (leia opiniões no quadro). No Brasil, associações de ruralistas e ambientalistas se digladiam. Com 1,5 mil cavalos, cerca de 5 mil vaqueiros fizeram um protesto em Brasília em outubro. Eles defendem que eventos movimentam anualmente R$ 700 milhões. “A vaquejada mudou muito”, diz Paulo de Morais Filho, presidente da Associação Brasileira de Vaquejada . “O uso do protetor de cauda é obrigatório, o que não deixa o boi sofrer.” Em resposta, defensores marcaram uma manifestação para o fim do mês, em São Paulo. “Não tenho dúvida de que vaquejada é cultura”, diz Vanice Orlandi , presidente da União Internacional Protetora dos Animais. “Mas uma cultura da violência, que não deve ser preservada.”

PROTESTOS: Manifestação contra touradas em Barcelona, onde prática estava proibida desde 2010
PROTESTOS: Manifestação contra touradas em Barcelona, onde prática estava proibida desde 2010

BATENDO DE FRENTE
O que pensam os catalães sobre as touradas

“Como sociedade, amadurecemos. E nos sensibilizamos mais com os direitos humanos e dos animais”

“A decisão a favor das touradas foi um horror. Como a Catalunha tem identidade própria, foi como a intervenção de um estrangeiro” Sara Garcia, analista de recursos humanos

“As touradas são parte da cultura da Espanha. São os humanos, e não os animais, que estão sujeitos a direitos”

“Como frangos nas granjas, é inevitável que animais sofram às vezes. A diferença é que nas touradas isso é visível” Genís Piqué, jornalista

Foto: Jarbas Oliveira/Folhapress