A muitas léguas da costa leste australiana, o navio Jenny Lind faz uma viagem de Melbourne a Cingapura. No amanhecer de 21 de setembro de 1850, a situação parece calma até que um dos membros avista uma mancha escura nas águas. Medidas protetivas são tomadas, porém em vão. A embarcação bate em cheio nos recifes à frente, com 28 pessoas a bordo, incluindo três crianças. Elas sobrevivem por 37 dias sobre os corais, cercadas de mar por todos os lados. Bebem água de um destilador improvisado com peças do naufrágio e constroem um pequeno veleiro com os destroços. Com ele, viajam de volta ao continente (onde até se dão ao luxo de recusar a primeira ajuda que encontram, de nativos que não os parecem amigáveis). Uma expedição do Museu Marítimo Nacional da Austrália acaba de descobrir o que restou do Jenny Lind e de outros quatro naufrágios no recife de Kenn, uma armadilha marinha que se transformou num verdadeiro abatedouro de navios. “É uma muralha no meio do oceano”, disse à ISTOÉ o arqueólogo James Hunter, que chefiou as buscas. “No local existem muitas carcaças de um período importante para a história do País.”

DESCOBERTAS Arqueólogos marinhos buscam e catalogam restos de embarcações afundadas no século 19: sino é um dos achados mais importantes (Crédito:fotos: Julia Sumerling/Silentworld Foundation)

Destinos diferentes

A jornada dos cientistas partiu em busca de duas embarcações específicas, o Jenny Lind e o Bona Vista, que afundou em 1828. Boa parte do Jenny Lind não existia mais, destruído pela força dos mares. Mas os pesquisadores acharam nos recifes de corais os contrapesos de ferro usados por ele e assim estabeleceram a posição exata do naufrágio. Já o Bona Vista possui uma história diferente. Seus membros também construíram uma balsa para levá-los embora, mas antes de partirem foram encontrados por um navio que estava de passagem pela região. Enquanto parte dos sobreviventes viajou na embarcação que os localizou, outros ficaram na balsa, que foi rebocada. No entanto, o mau tempo causou um acidente que matou três pessoas antes de chegarem à costa. Infelizmente, os destroços do Bona Vista não foram encontrados.

Em compensação, as buscas revelaram outros quatro navios inéditos, que ainda não foram identificados individualmente.

Julia Sumerling/Silentworld Foundation

Existem registros de pelo menos oito embarcações que afundaram no recife de Kenn, fora aquelas não escritas pela história. A maioria dos naufrágios ocorridos ali se deu no século 19, um período de formação da identidade australiana por conta da imigração, quando milhões chegavam ao país pelo mar, confiando em mapas oceânicos ainda muito precários. Além de âncoras e pedaços de cascos, a descoberta mais significativa foi a de um sino de ferro que pode ajudar a classificar uma das carcaças.
O próximo passo é completar a restauração do sino. Depois disso, poderão ser realizados exames para detectar inscrições escondidas e descobrir a procedência do metal. O processo é lento e deve demorar um ou dois anos. Enquanto isso, os pesquisadores não descartam realizar mais uma excursão para o recife. Mas ainda não há data fechada para a nova empreitada, que busca patrocínio. “Nós adoraríamos voltar”, diz Hunter. “Não achamos o Bona Vista, então este é um negócio inacabado para nós.”

O desaparecimento do Titanic

Uma espécie de bactéria que vive no fundo do mar será responsável pelo desaparecimento completo do Titanic, o maior navio do mundo à época de seu naufrágio, em 1912. Descoberto em torno da carcaça afundada, o organismo foi chamado de Halomonas titanicae em homenagem ao antigo titã dos mares. Acontece que essas bactérias se alimentam de ferro, como o do casco da embarcação. Por isso, cientistas que pesquisam sua atuação calculam que em apenas 14 anos elas poderão ter devorado completamente o Titanic, que se transformará num tipo de recife encoberto por vida oceânica.