Quando se pensa em turismo na Europa, o pequeno principado de Liechtenstein quase não passa pela cabeça dos brasileiros. Localizado na região dos Alpes, entre a Suíça e a Áustria, possui apenas 25 quilômetros de distância entre esses dois vizinhos — ou seja, é possível passar por três fronteiras diferentes em meia hora de carro. Para se ter uma ideia de seu real tamanho, a área total do território é de apenas 160 km2, sendo menor que a do principado de Mônaco — a população não chega a 40 mil habitantes. Relíquia da história medieval europeia, Liechtenstein é repleto de castelos, áreas rurais e montanhas — contudo, algo começou a mudar em 2017 — ano em que a região começou a permitir o funcionamento de cassinos físicos. Hoje, há cinco deles e o projeto para a construção de mais cinco. O fenômeno parece ter vindo para ficar e há quem veja nisso um ótimo investimento, enquanto outros — principalmente os moradores e pequenos comerciantes — se perguntam se essa mudança brusca dos atrativos turísticos poderá afetar a identidade de Liechtenstein.

PIONEIRO O cassino Admiral Ruggel foi aberto em 2017 e ainda faz sucesso por sua localização às margens do Rio Reno (Crédito:Divulgação)

A última inauguração foi a do Grand Casino, em 2019, localizado imediatamente ao lado da fronteira com a Suíça, e considerado o maior do principado. Ao contrário das construções como Las Vegas, Macau e Mônaco, o prédio é todo cinza, sem fontes exuberantes de água ou letreiros espalhafatosos. Pelo lado de fora, poderia ser considerado até uma fábrica. Lá dentro, porém, há quatro andares distribuídos em 7 mil m2 oferecendo todo o clima de um bom cassino: luz baixa contrastando com o neon das 292 máquinas de caça-níqueis e 29 mesas de jogo. Possui ainda bares, restaurantes e até o próprio hotel. Quem quiser ficar só na jogatina, nem precisa sair do lugar. O fluxo de carros pela região é constante e os suíços, segundo dados do próprio cassino, são a grande maioria. Estatísticas do governo local apontam que em 2020, ano da pandemia, 400 mil pessoas passaram pelos cassinos de Liechtenstein. O sucesso é inegável. Mas afinal, o que atrai tantos visitantes? Além das curtas distâncias e da discrição dos locais, há um menor controle sobre os jogadores, que se sentem à vontade longe de seus conhecidos.

VOLTA NO TEMPO Caminhar pelas ruas do principado é sentir a presença do passado rural da Europa. Vai virar Las Vegas? (Crédito:Joel and Amber)

Em 2020, mesmo com as restrições da pandemia, os cassinos do lugar receberam 400 mil jogadores

Na Suíça, por exemplo, há ainda a fiscalização sobre as pessoas que podem ser consideradas viciadas ou que jogam além de sua capacidade financeira. Em Lichtenstein não há nada disso. A mentalidade de “livre-mercado” e até a de “paraíso fiscal”, faz com que as regras sejam mínimas. Até o momento, não há nenhuma lei que restrinja quantos cassinos podem ser abertos. Mas qual o limite que o território consegue absorver? O Instituto Liechtenstein, uma espécie de ONG que coordena atrações turísticas e atividades culturais do local, preocupa-se com essa escalada dos jogos, até porque o principado já foi alvo de grandes escândalos financeiros envolvendo lavagem de dinheiro, algo frequente quando o assunto é cassinos.

A vice-primeira-ministra do principado, Sabine Monauni, é clara em sua posição contrária ao surgimento de tantos cassinos. Em um jornal local, disse que é preciso que o mercado seja regulamentado através de leis criadas no Parlamento “para não nos tornarmos a próxima Las Vegas”, algo que vai contra a vontade dos moradores. Embora tenham o poder de fazer o dinheiro circular e gerar empregos, é preciso cautela — se os jogadores não se hospedam ou gastam dinheiro na região — faz pouco sentido ver a paisagem natural e feudal ser invadida por gigantescas construções. Por enquanto, todos os cassinos de Liechtenstein são de investidores estrangeiros, mas isso, claro, é um problema do governo. Para quem gosta de jogar o lugar é o novo paraíso na Terra e está localizado no coração da Europa.