GOVERNABILIDADE Por ora, governo contabiliza cerca de 200 deputados favoráveis na Câmara e 25 no Senado (Crédito:Waldemir Barreto)

Defensor da candidatura do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a Presidência do Senado, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ensaiou um gesto que foi mal interpretado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS). Na semana passada, um dos coordenadores políticos da Casa Civil, Leonardo Quintão, foi à procura de Simone para tentar demovê-la de seguir adiante com sua candidatura. Não se sabe o que Quintão pretendia oferecer a ela. Simone também não quis saber. Cortou-o imediatamente dizendo que não retiraria em hipótese nenhuma. Gestos como esse credenciam Simone Tebet como o sopro possível de renovação à frente do Congresso. A “velha política” jamais se negaria a ouvir uma proposta de um emissário da Casa Civil. O veterano Renan Calheiros (AL), por sua vez, encarna como poucos esse passado que as urnas em 2018 enterraram – ou ao menos tentaram enterrar. Nos últimos dias, tentou dourar a imagem, fazendo acenos ao governo, mas sua trajetória é impermeável a vernizes e fala de maneira eloquente por si só. Já Rodrigo Maia (DEM-RJ), no comando da Câmara, não é o que se pode chamar de cara nova, mas se mostra em sintonia com o espírito do tempo. Ou seja, o Legislativo que toma posse pode ser resumido em três fatores: a queda de braço entre o novo desejado pela sociedade nas eleições do ano passado e o velho que teima resistir, e o compromisso com a aprovação das reformas de que o País necessita, das quais Rodrigo Maia desponta como fiador.

Ar fresco

Por personificar uma lufada de ar fresco no Senado, Simone Tebet ganhou força entre os novos parlamentares e mesmo alguns dos antigos. Sua candidatura à Presidência da Casa surgiu mesmo de parte da cúpula emedebista, especialmente do ex-presidente Michel Temer, que não perdoou a postura oposicionista de Renan, crítica a seu governo e alinhada à candidatura de Fernando Haddad, do PT. Embora já senadora e fosse até a semana passada a líder do partido, Simone não está envolvida em nenhum escândalo de corrupção. Para Temer e outros patrocinadores da cúpula do MDB, como o ex-senador Romero Jucá, é o nome talhado para tentar ressuscitar a combalida reputação emedebista. Uma reputação que, diga-se, foi à lona graças às atuações dos próprios próceres da cúpula do partido. Durante os últimos anos, os partidos tradicionais como o MDB fizeram questão de contrariar o anseio que vinha das ruas, reagindo a qualquer insinuação de mudança. Muitos sucumbiram nas eleições do ano passado. Mas Renan Calheiros sobreviveu. E, no seu trabalho para novamente tornar-se presidente do Senado, apresentou-se nos bastidores como a representação da defesa dos senadores contra o que classificou como exageros persecutórios do Ministério Público e da Polícia Federal contra a prática da política. Seria, assim, um defensor dos parlamentares. Com as investigações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), Renan enxergou que a sombra de tal ameaça aproximava-se do Palácio do Planalto. Por aí baseou suas argumentações na sua campanha. Por meio de emissários, Renan prometeu a Flávio que poderia ajudar a salvá-lo de eventuais processos.

Com que roupa

Ao mesmo tempo, Renan tenta renovar publicamente o figurino que o relacionou à velha política. Virou ativista nas redes sociais. Criticou a mineradora Vale pela tragédia de Brumadinho em busca de se associar aos ambientalistas. Flertou com os partidos e eleitores de esquerda ao se solidarizar com o deputado Jean Wyllys (Psol), que renunciou ao mandato por ter recebido ameaças de morte de grupos homofóbicos e favoráveis ao governo Bolsonaro. No paralelo, procurou aproximar-se do novo governo emprestando apoio às reformas pretendidas, como a da Previdência. O próprio Renan admitiu na terça-feira 29 a nova roupagem.”O velho [Renan] era sobrevivente, mais estatizante. Este novo é mais liberal, está querendo fazer as reformas do Estado. Quero colaborar com este momento excepcional que o Brasil está vivendo e fazer as mudanças e reformas”, declarou.

Na Câmara, tudo parece mais claro e, portanto, com menos riscos a sobressaltos. Rodrigo Maia é um legítimo representante do pensamento liberal na economia. Assim, ganhou dentro do governo o apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes. Como há em certos representantes do governo alguma resistência à reforma da Previdência por conta da pressão das suas bases, especialmente os representantes dos militares e das polícias, Rodrigo apresentou-se como o principal fiador da aprovação das reformas. Também lembrou durante a campanha que sempre respeitou a divisão dos espaços na Câmara, garantindo vez à oposição e aos partidos de esquerda. Isso garantiu a ele o apoio, por exemplo, do PDT. Na prática, Rodrigo conseguiu unir a nova e a velha política no mesmo discurso. Ao mesmo tempo em que garantia a aprovação das reformas, distribuiu entre os partidos os principais cargos da Câmara. Assim, obteve o apoio do PSL. Na mesma linha, ganhou o PP. Com a promessa de cargos na Mesa Diretora, demoveu a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL). O PP, então, formou um bloco com o DEM e o PSL, o que garantirá ampla maioria na Câmara.

Fazendo contas

Independentemente do que cenário que virá por aí, o governo observa todos esses movimentos com certo receio. Ainda que consiga ter o apoio dos presidentes da Câmara e do Senado, não tem certeza de quanto efetivamente terá de sustentação nas bancadas. Pode se livrar de ter uma sombra como foi Eduardo Cunha sobre Dilma Rousseff, mas poderá haver outros problemas. As próprias contas feitas pela Casa Civil indicam o apoio de 310 deputados na Câmara e 40 no Senado na largada.

Na Câmara, seria o limite para aprovar uma emenda constitucional (308 votos). No Senado, menos da metade, não aprova sequer projeto de lei. Esse é, porém, o cálculo mais otimista. Há quem diga no governo que, garantidos mesmo, seriam cerca de 200 deputados na Câmara e 25 no Senado. E é justamente com este cenário que o governo Bolsonaro vai ter que lidar. Com uma base ainda em construção e tentando trazer para o Congresso seu apoio popular. Se nem todos os parlamentares entenderam a voz das ruas, o novo governo seguirá tendo que se equilibrar entre o novo e o velho e na confiança de quem se apresenta como fiador das suas propostas.