Em meio à fase mais delicada do seu processo de impeachment, Donald Trump se voltou ao cenário internacional para tentar criar uma agenda positiva. Ao lado do premiê israelense Binyamin Netanyahu, anunciou na terça-feira, 28, em Washington, um plano de paz que daria cabo de sete décadas de conflito entre israelenses e palestinos. Chamou-o de “histórico” e “acordo do século”. Como é comum em suas iniciativas, o anúncio espalhafatoso foi recebido com cautela e ceticismo. O principal problema, por óbvio, é ausência dos palestinos nas negociações. O acordo também propõe medidas controversas, como o reconhecimento dos assentamentos israelenses na Cisjordânia e no vale do rio Jordão, que são condenados por boa parte da comunidade internacional. Designa ainda Jerusalém como a capital indivisível de Israel — também amplamente rejeitada. Por outro lado, estabelece a criação do Estado Palestino — sem forças armadas —, mais que dobrando seu território atual, e fixa a capital palestina na parte leste de Jerusalém. Este último ponto, o status de Jerusalém, é um dos mais delicados, e não ficou claro como a solução se daria na prática. Também propõe uma ajuda de US$ 50 bilhões dos EUA aos palestinos, o que permitiria a criação de “um milhão de novos empregos”.

PROTESTO Palestinos queimam cartazes com a imagem de Trump em Rafah, na faixa de Gaza: revolta contra o acordo
que consideram pró-Israel (Crédito: SAID KHATIB / AFP)

Os detalhes do plano, no entanto, parecem não importar. Os principais países do Oriente Médio não compareceram à sua apresentação, num sinal claro de falta de apoio. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que não participou da sua elaboração, reagiu com veemência e classificou-o de “a bofetada do século”. Parte da desconfiança se deve à orientação que Trump tem seguido em seu mandato, ostensivamente pró-Israel. Faz isso para agradar seus apoiadores, mas também para se distinguir de Barack Obama, que era bem mais prudente na disputa. Trump, ao contrário, mudou a posição histórica americana. Reconheceu a soberania israelense sobre os assentamentos e Jerusalém como capital de Israel, transferindo a embaixada dos EUA para a cidade.

Para se chegar ao novo plano, pesou a proximidade do americano com Netanyahu, que luta para se manter no poder. Ao mesmo tempo em que enfrentará mais um pleito em 2 de março, o premiê israelense prepara-se para ser julgado por acusações de corrupção. No mesmo dia do anúncio do acordo, ele retirou um pedido de imunidade que havia feito ao Parlamento israelense — a medida protegeria o premiê até a eleição. Agora, poderá ser julgado por denúncias de fraude, abuso de poder e quebra de confiança. Dessa forma, o tratado costurado por EUA e Israel serve antes de mais nada aos dois mandatários com problemas domésticos. Numa prova da conveniência política, o primeiro-ministro de Israel anunciou que apresentará aos seus ministros no domingo, 2, um projeto de lei que deve anexar na prática os assentamentos, como prevê o acordo. No ano passado, durante a campanha pela reeleição, ele já havia prometido que, caso eleito, tomaria essa medida. É uma ação simbólica, já que essas áreas pertenciam à Jordânia e foram conquistadas por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

“Mil vezes não. É a bofetada do século. Jerusalém não está à venda e os direitos dos palestinos não podem ser negociados” Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina (Crédito:ABBAS MOMANI / AFP)

Conflito histórico

A paz entre israelenses e palestinos poderia desatar um dos principais problemas geopolíticos mundiais no explosivo Oriente Médio. O conflito sempre foi agravado por países que usam a disputa no tabuleiro do poder da região. É o caso do Irã, que patrocina grupos como o Hamas, em Gaza, e o Hezbollah, no Líbano. Mas o reconhecimento de Israel deixou de ser um problema central para os líderes árabes. Ao mesmo templo, a luta contra grupos terroristas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico tem despertado muito mais preocupação entre as potências e as forças regionais. A resolução do conflito entre israelenses e palestinos não é mais um tema central, apesar das importantes questões morais e históricas em jogo. O acordo, também por isso, pode entrar em um limbo.

Há mais de meio século os líderes americanos procuram patrocinar uma solução para a disputa. Jimmy Carter teve um papel importante em 1970, no acordo de Camp David. Bill Clinton estimulou os Acordos de Oslo (1993-1995), que deram o Prêmio Nobel da Paz a Yitzahk Rabin, Shimon Peres e Yasser Arafat. Pelos problemas de origem, o plano de Trump dificilmente terá a mesma repercussão e sucesso. O presidente dos EUA não conseguirá seu lugar na história com ele. Espera-se, por outro lado, que seja utilizado como base para novas negociações que levem, aí sim, a uma paz duradoura.