Em tão pouco tempo de mandato, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, assume um protagonismo inédito para alguém em sua posição. É ele quem coloca panos quentes nas crises criadas pelo presidente Jair Bolsonaro e se apresenta para tentar convencer os interlocutores de que o governo federal mantém o foco na reforma da Previdência. Na terça-feira 26, Mourão palestrou durante trinta minutos para 500 empresários na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp. Ele fez sua confissão de fé neoliberal e agradou ao assegurar que após a Previdência será a vez de uma redução na carga tributária e maior abertura econômica. Só que sem correrias, para não prejudicar o empresariado. “Será lenta, gradual e segura”, afirmou, repetindo o que disse o ex-presidente general Ernesto Geisel sobre a abertura política que levaria o País da ditadura militar à redemocratização, em 1985. Mourão foi aplaudido, distribuiu sorrisos, acenou, referiu-se a alguns jornalistas como “amigos” e partiu para o prato principal: um jantar oferecido pelo presidente da entidade, Paulo Skaf, em sua mansão. Estiveram no encontro 34 empresários, industriais, financistas, altos executivos e políticos. Um time que comanda ativos e patrimônios que somam mais de R$ 1 trilhão, superando a economia de países inteiros.

“Essa reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro tem um apoio que nenhuma outra já teve” Pedro Parente, presidente da BRF, ex-ministro e ex-presidente da Petrobras (Crédito: Fabio Braga/Folhapress)

Pedras no caminho

O evento foi fechado. Diante dos donos do Produto Interno Brasileiro, Mourão não teria falado de governo ou metas, afirmaram alguns convidados na saída. Algo que ninguém acreditou, claro. Mourão já havia afirmado que estava em São Paulo em missão dada pelo presidente Bolsonaro para mostrar que o empresariado que apoiou a chapa de ambos não está esquecido e que os constantes tropeços do governo serão superados em breve. “Levar pedradas faz parte da política. E olha que eu tenho baixíssima experiência nisso”, afirmou na palestra. Na saída da Fiesp, empresários comentaram que o vice passa confiança e que demonstra mais autoridade e desenvoltura do que o ministro da Economia Paulo Guedes.

O vice pode não ter subido ao púlpito, mas teve uma noite de articulações disputada. Ele ouviu sobre os receios com a falta de articulação do governo e falou em pequenas rodas de conversas antes e depois da refeição noturna – que incluiu pernil de vitela, filé de abadejo, risoto mascarpone e ravióli. “Foi um jantar informal que teve como prato principal a reforma da Previdência e, de sobremesa, a reforma tributária”, disse Skaf, o dono da casa, que também ganhou pontos junto aos seus representados.

Aliado do governo, o presidente do conselho da Riachuelo e ex-presidenciável Flávio Rocha tinha acabado de chegar de Brasília, onde havia participado do lançamento da frente parlamentar Brasil 200, que entregou uma carta para Bolsonaro pedindo modernização e extinção dos velhos entraves econômicos. Rocha conversou com o ex-presidente após almoçar com o ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, e saiu da capital certo de que a reforma da Previdência será concretizada. “Será a mãe de todas as reformas”, afirmou. Sobre os atritos entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o megaempresário lamentou a falta de diálogo, mas deu o episódio como superado. De acordo com Rocha, o estremecimento teria sido bom para alertar a base governamental de que agora está na hora de mudar. “É preciso trocar o chip da campanha pelo chip do governo”, teria dito ao presidente.

Fernado Galletti, presidente da Minerva Foods, afirmou que as mensagens da noite foram otimistas e que Mourão tem um papel importante no governo. Pedro Parente, presidente do grupo BRF, acha que a agenda de Bolsonaro conta com um apoio que nenhuma outra desfrutou. Ele deve saber bem o que diz. Foi ministro da Casa Civil de Fernando Henrique Cardoso e presidente da Petrobras com o ex-presidente Michel Temer.

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“Tem que trocar o chip da campanha para o chip do governo” Flávio Rocha, presidente do conselho da Riachuelo (Crédito:Keiny Andrade)

Nas situações de crise, Mourão tem mostrado um valor surpreendente, principalmente quando se olha para seus antecessores. Itamar Franco só apareceu – e bem – após a queda de Fernando Collor. Marco Maciel foi decorativo por oito anos nos dois mandatos de Fernando Henrique, José Alencar fazia a ponte entre o ex-presidente Lula e o empresariado, mas não destoava nem tentava brilhar mais que o presidente, e Temer foi protocolar até romper de vez com Dilma Rousseff. Já Mourão critica o desempenho do chefe e se movimenta com figura política semi autônoma. No início da semana, classificou as refregas em redes sociais entre Bolsonaro e Maia como “briga de rua” e que faltaria clareza e determinação para figuras centrais do governo.

O problema é que, em política, tudo pode desandar. Por mais que Mourão tenha ido muito bem entre os donos do PIB, em São Paulo, na mesma noite, em Brasília, a Câmara de Rodrigo Maia aprovou a PEC que altera as regras do Orçamento da União de forma a que os parlamentares tenham maior poder sobre o orçamento. O ato é uma mostra de que será preciso negociar mais e melhor com deputados e senadores. Se antes o planejamento de gastos poderia ser mudado em alguns pontos pela equipe econômica, agora ele pode ficar impositivo, obrigando a execução de despesas determinadas pelo Legislativo, atravancando as reformas. Foi uma resposta aos cortes de quase R$ 30 bilhões para este ano. Ou seja, serão necessárias outras conversas, muita paciência e, provavelmente, novas missões do presidente para seu vice.

 


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