Um economista porteño, meu amigo, certa vez profetizou:

— Chega um ponto em que a política se torna tão corrompida, que nenhum cidadão de bem se candidata. Isso
é a falência da Justiça.

Lembrei disso escutando uma discussão política na padaria.

Gosto da conversação da gente normal, não a dos jornais ou das redes sociais.

A discussão que não se submete aos algoritmos.

Você ouve o que quer e o que não quer.

Ouve o que é para ser ouvido de verdade.

Para essa gente do mundo real, só existem dois candidatos.

E apenas um presta.

Tem gente que acha que Lula é corrupto.

Tem os que acham que Bolsonaro chefia uma quadrilha de milicianos.

Tem quem diz que Lula vai transformar isso aqui na Venezuela.

Tem quem acusa Bolsonaro de entregar o Brasil para os norte-americanos.

Tem gente que jura de pé junto que Lula beneficiou o filho, o que lhe fez milionário.

Tem quem bota a mão no fogo que o filho do Bolsonaro manteve um esquema de rachadinhas.

Tem gente que fala que a Dona Marisa era só uma testa de ferro e, portanto, dona do triplex.

Tem aqueles que chamam a primeira dama de “Micheque”.

Lula é ladrão.

Bolsonaro fascista.

Lula é corrupto.

Bolsonaro assassino.

É assim que estamos hoje.

Pode parecer que essa discussão somente mostra que não temos ninguém que preste para presidente.

Que políticos são todos uns safados. Que não existe saída.

Por essa lógica, meu amigo argentino está certo: em política corrupta, só safado se mete.

Mas não se engane.

É um enorme equívoco, uma tremenda ingenuidade, imaginar que essa discussão é apenas sobre os dois candidatos que, por enquanto e por pesquisas, têm mais chances de se eleger.

Longe disso.

Essas discussões sobre quem é mais canalha, escondem uma outra, muito mais profunda.

Uma discussão que não tem nada a ver com o futuro do País.

Ao menos não de forma prática.

Não se trata de pensar para onde vamos como País e, sim, descobrir quem realmente somos como Nação.

Porque ninguém odeia apenas o Lula.
Odeiam, sim, o fato dele trazer à luz um Brasil pobre, ignorante e sem oportunidades.

Também não odeiam apenas Bolsonaro.

Odeiam, sim, o fato dele trazer a tona um Brasil conservador, autoritário e elitista.

Lula e Bolsonaro representam Brasis opostos que sempre existiram. Quando um estava submerso, o outro emergia.

Um País 50% progressista, 50% reacionário.

Não se trata de pensar para onde vamos como País e, sim, descobrir quem realmente somos como Nação

Ocorre que nesta eleição, talvez como em nenhuma outra, esses dois Brasis se digladiem a céu aberto. Um País que, quando rachou ao meio, a fenda engoliu as idéias moderadas.

Sobraram os extremos que agora, são obrigados a se confrontar em discussões pequenas, sobre políticos idem.

Não temos tempo, enquanto procuramos saber quem somos, em discutirmos o estado deplorável em que o Brasil se encontra, o Brasil dos preços subindo, da Cultura caindo aos pedaços, do Meio Ambiente dilapidado, da falta de competitividade da indústria, da Educação abandonada.

Nada disso importa quando procuramos descobrir quem realmente somos.

E, assim, por motivos mais nobres é verdade, nos transformamos aos poucos, em nossos próprios deputados: nos desinteressamos pelo futuro do País.

É esse estado de coisas que impede surgir um candidato do bem. Não apenas pela corrupção, mas porque esgarçamos
o tecido do bom senso.

Pior que isso, esse confronto não fará com que encontremos, finalmente, nossa própria identidade.

Quem sabe até seja isso mesmo. Quem sabe seremos esse paradoxo.

E a eleição que vem aí só servirá para afogar, novamente, metade do País. Resta saber qual.