A morte do ator Tarcísio Meira me entristeceu de diversas maneiras. Em primeiro lugar, obviamente, pelo valor que dou à vida de qualquer ser humano, seja ele um ídolo popular ou uma pessoa comum. Em segundo, pela importância cultural que ele representa, como um dos grandes artistas brasileiros em todos os tempos. Sua presença e carisma o tornaram uma figura inesquecível das novelas de TV, embora tenha tido carreira igualmente brilhante no teatro e no cinema.
Outra razão ligada a sua morte não me deixou apenas triste, mas ciente de que vivemos uma realidade calamitosa em relação aos níveis de ignorância e falta de educação. Não foram poucos os comentários que politizaram a morte de Tarcísio, relacionando-a ao fato de que o ator já havia sido vacinado com as duas doses. O tom nas redes sociais foi quase de comemoração por parte dos críticos das vacinas.
A estupidez dessa gente me fez lembrar da declaração criminosa do presidente Jair Bolsonaro quando soube da morte de um voluntário ocorrida durante a fase de testes da vacina Coronavac, fabricada pelo Butantã. O presidente, do alto de sua humanidade protozoária, celebrou a morte como “mais uma que Bolsonaro ganha”. Vamos deixar claro: o presidente do Brasil estava comemorando em público a morte de um brasileiro apenas para tentar justificar um discurso político. Foi humilhado quando veio a informação de que a morte não tinha nada a ver com a vacina, mas tenho certeza de que nem ligou. Os neurônios, no caso dele, não têm capacidade cognitiva para estabelecer relação entre causa e consequência.
No caso de Tarcísio houve algo parecido – os ataques, claro, partiram dos defensores do presidente Bolsonaro, que é contra as vacinas e tem ajudado como ninguém o coronavírus a se espalhar pelo País. Os bovinos que o defendem nem se preocuparam em mencionar que sua mulher, a atriz Gloria Menezes, de 86 anos, havia tomado as mesmas vacinas, mas apresentado sintomas leves. Tarcísio, aos 85, sofria de insuficiência renal, enfisema e tinha problemas cardíacos, fatores que contribuíram para uma resposta imune mais frágil à vacina.
O problema é que os bolsonaristas não são ignorantes. São maus, mesmo. Gente ruim, “do mal’, como costuma dizer minha filha adolescente. Todo mundo sabe que as vacinas não impedem a contaminação pela doença: sua função é barrar os casos mais graves e reduzir as internações. Em alguns casos, porém, o coronavírus é tão perigoso que nem a atuação dos imunizantes é suficiente para impedir as mortes, ainda que, porcentualmente, esse número seja muito, muito pequeno. Bolsonaristas não estão preocupados com dados científicos ou informações reais: querem apenas tripudiar em cima das vacinas e das vítimas, embora se vacinem quando os outros não estão olhando.
Há um aspecto, uma análise mais macro da situação, que reduziu minha tristeza no caso de Tarcísio Meira, assim como nos outros que se posicionam contrários à vacina. Ele se baseia na teoria da seleção natural, de Charles Darwin. O conceito é simples: ao longo dos séculos, as espécies que se adaptam melhor tendem a sobreviver. Segue um exemplo fictício para explicar minha tese de maneira bastante simples – até um bolsonarista poderá compreender.
Terra, 400 mil anos atrás. Um grupo de Neandertais que tinha como hábito comer plantas venenosas não deixaria descendentes, enquanto outro grupo que percebera que as plantas matavam seus membros após serem ingeridas, seguiria em frente na cadeia evolutiva. No primeiro caso, os Neandertais não tiveram a capacidade intelectual para perceber que a comida ingerida, plantas venenosas, era responsável por matar seus pares; no segundo caso, aprenderam que se comessem aquelas plantas, morreriam. Ou seja, fizeram uma relação entre causa e consequência. Esse simples fato determinou qual seria o grupo que sobreviveria.
Imagino que vai acontecer a mesma coisa com a vacina. Isso, na verdade, nem chega a ser uma teoria: o alto número de mortos entre os não vacinados nos EUA já comprova esse raciocínio. Não vacinados correspondem a 99% dos mortos por Covid-19 no país, e qualquer jornal americano traz relatos de gente que, prestes a ser intubada, diz que se arrependeu por não ter tomado a vacina. “Uma das últimas coisas que eles fazem antes de serem intubados é implorar pela vacina. Eu seguro as mãos deles e digo que sinto muito, mas é tarde demais”, afirmou Brytney Cobia, médica do estado do Alabama. A situação se repete em todo o país, principalmente no sul, onde a população de maioria republicana é anti-vacina e apoia o negacionismo de Donald Trump. Alguém consegue fazer um paralelo com o Brasil? Pois é.
A tendência, portanto, é que a quantidade de não-vacinados mortos seja bem maior que entre os vacinados. Com o tempo, a evolução da nossa espécie vai provar que aqueles que acreditaram nas vacinas e na ciência vão sobreviver, enquanto a população anti-vacina deixará cada vez menos descendentes. A seleção natural, assim como a evolução humana, não tem ideologia.