É inacreditável que, após tantos milênios de evolução da espécie, o ser humano ainda seja capaz de realizar ações e reações mais primitivas que nos tempos das cavernas. Algumas notícias dessa semana mostraram que a realidade nua e crua é muitas vezes mais chocante que as histórias de ficção. No Rio de Janeiro, um delegado que investiga o estupro coletivo de uma garota de 16 anos desconfia da vítima e a constrange, para depois liberar os primeiros suspeitos dessa monstruosidade, apesar de filmes e fotos terem sido publicados nas redes sociais com as provas do delito. No bairro do Leblon, Maria Francisca Alves de Souza, uma senhora de 58 anos, foi presa após insultar um funcionário negro de um supermercado, mandando-o voltar para a senzala e o quilombo. No Japão, dois pais abandonam um filho numa floresta para assustá-lo e a criança desaparece, numa versão atual do conto João e Maria. No Paquistão, Maria Sadaqat, de 19 anos, é torturada, queimada viva e morta por não aceitar casar-se com o filho de seu chefe. Quem sabe encontrou-se no céu com Fabiane Maria de Jesus, inocente dona de casa linchada e assassinada por moradores do Guarujá (SP), que a confundiram com uma suposta criminosa, dois anos atrás.

Além das muitas Marias envolvidas e da ampla divulgação nas redes sociais na internet, o que essas histórias têm em comum? Uma protagonista assustadora e sem limites: a estupidez humana, um flagelo desde o início dos tempos em países com os mais variados graus de riqueza e desenvolvimento. Nas páginas dos jornais, revistas e na televisão, os monstros, os estupradores, os assassinos, os traidores, os corruptos, os bad cops e os bandidos são muito mais assustadores que os clássicos personagens dos contos, livros e filmes criados pela imaginação de seus autores. Gente como a gente, de carne e osso, com quem podemos nos encontrar na esquina ou no elevador, mete muito mais medo que os malvados da literatura e da sétima arte. As imagens da violência na Cidade Maravilhosa, das execuções dos terroristas do Estado Islâmico ou das atrocidades verbais disparadas contra as minorias por políticos e celebridades preconceituosas são como chamas ardentes sob as nossas cobertas para nos lembrar que o mundo real, infelizmente, ainda é muito perigoso para se viver. Dá o que pensar. O que estamos fazendo para mudar esse estado de coisas? Em que ponto da história nos perdemos?

O Brasil, cinco séculos depois, ainda é uma nação em gestação. A desigualdade social e de gênero, a ignorância, o preconceito racial e sexual e a violência ainda mancham nossas estatísticas de potência econômica regional, e ainda vão fazê-lo por muitas décadas. O que vai nos tornar uma sociedade mais justa, rica e bem educada no futuro são as medidas corretivas e preventivas que tomarmos hoje em nossas casas, escolas, empresas e instituições sociais e governamentais. Aumentar as penas de prisão para crimes de estupro, como fez o Senado a toque de caixa na semana passada, pode acalmar a fúria da sociedade indignada com os crimes hediondos no Rio e no Piauí, mas não soluciona o problema. Os estupradores potenciais continuam à solta e a impunidade não mudará da noite para o dia. É preciso revolucionar a sociedade, com medidas educativas que comecem na infância, com os pais, irmãos, professores e amigos. Temos que formar cidadãos que se respeitem quando foram homens e mulheres adultos, que saibam discernir entre o certo e o errado. Simples assim.

Quando lançou O nascimento de uma nação, em 1915, o cineasta americano David Griffith não apenas narrou a violenta história da Guerra de Secessão sob a ótica das famílias envolvidas no conflito, mas também revolucionou a arte de contar uma história em longa metragem, influenciando a narrativa do cinema até os dias de hoje. Foi acusado de racista e escravagista pela maneira como retratou os negros. Em reação, fez Intolerância. Está na hora de fazermos algo que mude as gerações futuras. O que você sugere?

Milton Gamez, jornalista, é diretor de Núcleo da Editora Três e coordena as revistas ISTOÉ Dinheiro, Dinheiro Rural e MotorShow