O tom incansável de Paulo Andrade não se restringe ao período no qual ele está à frente da transmissão de um evento esportivo. Narrador que se consolidou na TV por assinatura à frente da ESPN, ele se prepara meticulosamente para cada partida e tem sempre em mente se aprimorar na profissão.

– Sou muito autocrítico – reconhece.

A série de entrevistas do LANCE! em homenagem aos 70 anos da televisão brasileira dá voz para o narrador da ESPN recordar o quanto caminhou até se afirmar no jornalismo esportivo. Ele também fala sobre os contrastes entre TV aberta e por assinatura e relata como é se reencontrar com a Copa Libertadores (veja como Paulo Andrade está ávido para acompanhar a partida entre Libertad e Boca Juniors clicando aqui).

LANCE!: Sua ligação com a televisão começou em um canal por assinatura no ABC Paulista. Como foram os seus primeiros passos?

Paulo Andrade: Esta TV, a ABC-3, é um período muito especial para mim. Toda programação era feita por voluntários. Como não tinha tanta preocupação com errar, como acontece em uma emissora de grande projeção, na ABC-3 eu podia tentar e levar alguns tombos. Assim, fui me aperfeiçoando aos poucos. É muito gratificante ter feito parte deste projeto.

L!: Alguns anos depois, você começou seu ciclo na TV aberta. Quando percebeu que já tinha condições de almejar estes novos voos?

Percebi que já havia construído uma boa história no canal ABC-3 e decidi que queria fazer aquilo na minha vida. Com isto, precisava encontrar uma brecha em locais maiores. Montei uma fita com trechos de narração e fui divulgando onde dava. Ganhei espaço fazendo cobertura de férias na Gazeta e na Rede TV!, até conseguir uma vaga no SBT, que estava voltando a fazer esporte. Mas foi com muita persistência mesmo!

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Paulo Andrade - SBT

Paulo Andrade em seu início de carreira, no SBT (Reprodução / SBT)

L!: Você fez parte do SBT que transmitiu o Paulistão em 2003. E teve de descascar um abacaxi logo no primeiro jogo que narrou da competição…

Na verdade, a emissora tinha montado a equipe no começo do ano. A gente transmitiu o Sul-Americano Sub-20 e o Torneio do Qatar Sub-23 como testes, mas a expectativa era, claro, pelo Paulista. Só que o Paulistão foi um caos total. Havia aquela disputa de liminares entre o SBT e a Globo. O SBT tinha o acordo com a Federação Paulista de Futebol mas Globo queria entrar e transmitir o jogo. Lembro que nossa equipe foi para o jogo entre Santo André e Santos (empate em 2 a 2) em um clima de guerra, cercada de seguranças. Eu fui ao banheiro do Estádio Bruno José Daniel e um segurança me aguardou na porta. Eles previam um clima de guerra. Eu tinha 23 para 24 anos e procurei me focar. Só percebi a movimentação esquisita de PMs atrás da gente. Depois me contaram por alto que era porque a Globo tentou transmitir na marra no estádio. Os policiais ficaram com medo de animosidade entre as equipes de transmissão, mas não deu nenhum problema.

L!: O período no SBT deixou você mais “cascudo” como narrador?

Muito. Pelo nível dos profissionais, por ser uma TV aberta com obrigação de conseguir bons índices de audiência, além da esperança que o esporte continuasse a agradar ao Silvio Santos. Costumo dizer que envelheci uns quatro anos em quatro meses (risos).

L!: O que ficou de aprendizado nestes meses na emissora?

A tensão constante do minuto a minuto pelo Ibope. Dependendo do que eu falava, era repreendido. Às vezes, por mais que eu passasse uma informação correta, não era o melhor momento, pois podia afastar o público. No Sul-Americano Sub-20, quando a Seleção levou um grupo bom, tinha inclusive o Daniel Alves entre os convocados, aconteceu isto. Ao mesmo tempo que o Brasil estava jogando, havia uma partida envolvendo a Argentina (contra a Colômbia). E aí eu avisei: “a Argentina vai vencendo por 1 a 0 e, com este resultado, mesmo que o Brasil vença, a Argentina vai se sagrando campeã!”. Aí o coordenador me falou quando eu repeti o placar do outro jogo: “cara, esquece a Argentina! Quando você fala isso, a audiência cai pela metade!”. Foi no SBT que entendi com mais clareza o impacto da informação na audiência. O coordenador era quase um animador de auditório, falava “solta essa voz!”. Eu terminava o jogo extenuado. Fui jogado aos leões praticamente. Mas aprendi muita coisa.

L!: Como foi sua migração para a ESPN, uma emissora exclusivamente dedicada ao esporte?

Na verdade, passei por um período difícil antes de chegar na ESPN. Assim que acabou meu contrato com o SBT, achei que, em virtude das críticas, tinha deixado uma boa impressão. Era um jovem cheio de apetite, aí pensei: “poderei incluir na minha fitinha as narrações que fiz no SBT e pronto”. Mas as portas ficaram fechadas para mim. Foi a fase na qual todo mundo adorou meu trabalho, mas ninguém me contratou. Por pouco não desisti. Fui convencido pela minha mãe a continuar a fazer jornalismo na TV dos voluntários (ABC-3) ao menos uma vez por semana. Só que eu já estava pensando em desistir, não via futuro. Meses depois, o (José) Trajano me ligou. Ele disse que o Paulo Soares estava com um problema de saúde e precisavam de alguém lá para cobrir as férias dele. Aceitei e fiquei na ESPN não só nas férias dele, mas também estou lá há 17 anos.

L!: Você é muito versátil como narrador, fala com bastante conhecimento de cada evento que transmite. Como é sua preparação?

Eu estudo bastante, isso faz parte da minha paixão. Não importa o tamanho do jogo ou o quanto ele vá exigir de mim. Tenho que estar preparado, atento, para narrar da melhor forma. Demoro entre duas horas e meia e três horas em geral para partidas do Campeonato Inglês. Também tento me atualizar. São coisas que me motivam a melhorar. Sempre acho que posso melhorar, tanto que revejo os jogos que narro. No começo eu gostava menos do meu trabalho. Hoje acho que gosto um pouquinho mais (risos).

L!: Sua forma de narrar tem um aspecto muito curioso, que é preferir jogos de palavras aos bordões. Por que esta opção?

Realmente, tenho pouquíssimos bordões. Não quero ficar refém de bordões, por mais que seja desafiador criá-los. Mas acho que é mais desafiante fugir disto. A repetição de uma expressão pode, com o tempo, virar uma “muleta”, um hábito no qual o narrador entra na zona de conforto. Prefiro estar sempre em um campo minado, no qual me arrisco a cada narração. Agora, claro que respeito quem tem os seus bordões.

L!: Você teve uma carreira como jogador de futebol nas categorias de base. Acredita que isto contribua para você saber com mais detalhes como é a rotina de quem está em campo?

Ah, sem dúvida nenhuma. Até hoje gosto de jogar, naturalmente de acordo com a minha idade (Paulo Andrade tem 41 anos). Foram 12 anos nas categorias de base. Passei pelo Corinthians, América-SP, Juventus. Isso me ajuda muito e acho que são detalhes que contribuem em uma narração. Este conhecimento da parte técnica é muito importante para mim.

L!: Você tem no currículo coberturas de competições como Liga dos Campeões, Copa América, Copa do Mundo… Como é a responsabilidade de representar uma emissora nestes eventos?

Bom, naturalmente é o sonho de qualquer narrador estar nestas competições. Fiz oito finais da Liga dos Campeões, sendo sete delas in loco, a Copa América também fiz in loco… Acho que o narrador tem de crescer de acordo com o jogo e com a dimensão do desafio que terá pela frente. Ao estar, por exemplo, em uma final de Copa, você representa a empresa na qual trabalha no auge dos seus objetivos. Procuro crescer em momentos decisivos. Tenho me pautado para vencer os desafios.

L!: Em virtude da fusão entre os canais ESPN e Fox Sports (hoje fazem parte do Grupo Disney), você transmitirá jogos da Copa Libertadores (via Fox Sports). É um desafio que você aguardou muito?

Ah, sim, uma oportunidade muito aguardada, uma nova fase para mim (nesta quinta-feira, ele transmitirá Libertad e Boca Juniors, às 21h, na Fox Sports). Meu contato com a narração de Libertadores tinha sido lá atrás, na ABC-3, quando eu treinava a partir de VT’s de jogos de Santo André e São Caetano, que disputaram edições da competição. Agora serão jogos ao vivo, que carregam uma enorme responsabilidade. Tenho mais uma meta para alcançar.


L!: A TV brasileira está na contagem regressiva para comemorar seus 70 anos. Qual saldo você traz deste período?

É um saldo positivo. Até puxando a sardinha para as TV’s por assinatura, foram acrescentadas centenas de canais, que deixaram muitos assuntos à disposição para o público. Também seguimos com a TV aberta tendo boas perspectivas. Está tudo bem abrangente.

L!: E este período de mudanças de direitos transmissões do futebol brasileiro, traz boas perspectivas?

É muito marcante e importante, não só para o público, que vai ganhar novas opções. Para nós, significa mercado aberto e nos motiva como profissionais a buscarmos sempre uma melhora de qualidade.


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