21/05/2020 - 14:09
O mundo nunca mais será o mesmo depois do surgimento do novo Coronavírus, em dezembro passado na China. Doença que infectou milhões de pessoas e ceifou a vida de outras centenas de milhares pelo Planeta – a mais letal pandemia depois da Gripe Espanhola, em 1918. Em meio ao caos, homens, mulheres e crianças tornaram-se números, tanto nas mortes como em vidas com o Covid-19. Os impactos da pandemia na sociedade já atingem todos os setores. Na economia, o efeito do vírus atacou os empregos, os salários, a produção industrial, o comércio e o setor de serviços. A evidente destruição econômica foi batizada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como a recessão do “grande confinamento”. Estudiosos avaliam que o mundo viverá a maior crise no campo do trabalho desde a Primeira Guerra Mundial.
O desastre econômico global vai abalar profundamente o ganha-pão de mais da metade dos trabalhadores do mundo, estimados pela OIT em 3,3 bilhões de pessoas. A Organização da Nações Unidas (ONU) trabalha com a estimativa que o PIB planetário sofra um golpe de US$ 2 trilhões. No Brasil, as estimativas dão conta que ao menos cinco milhões de trabalhadores com carteira assinada já tiveram seus empregos afetados de alguma forma desde o início da crise, seja por demissões, seja por suspensão do contrato de trabalho, seja pelo corte de jornada e salários. O cenário deve ser ainda pior. Levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), na primeira quinzena de maio, mostra que 53,5% das famílias brasileiras foram afetadas com as medidas adotadas no mercado de trabalho em meio à pandemia.
De olho para os péssimos números do mundo do trabalho apresentados pelo IBGE em março, o país, que contabilizava um mês antes da crise 33,6 milhões de empregados formais, pode terminar o ano com cerca de 20% de desempregados, muito acima dos 12,2% do início do ano. Analistas mais pessimistas falam em retração de até 7,7% do PIB. Quando se considera todas as faixas de remuneração, quase 13% dos lares já tiveram ao menos um dos membros demitido. Entre as empresas, já houve corte de pessoal em cerca de 45% das que operam nos serviços e na construção, setores com mão de obra intensiva e geralmente de menor qualificação. O mesmo acontece em mais de um terço das atividades comerciais e em 25% das indústrias. Considerando os quatro segmentos, quase 40% já demitiram. Numa frase: “Um cataclisma”, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Um novo mundo dos negócios
Ao certo, as empresas nunca mais serão as mesmas. O mundo dos negócios está em jogo. As perspectivas do mercado dão conta que uma revolução digital e de comportamento implicarão em transformações substanciais para todos tipos de empreendimentos. Acossado pela pandemia, a hora é de tentar minimizar os estragos econômicos. Um misto de resiliência com visão de oportunidade foi a implantação à “fórceps” do trabalho remoto. Hoje, de acordo como os dados da FGV, 67,4% dos trabalhadores formais estão trabalhando remotamente. Pesquisas da Cia do Talento e do Instituto Renoma – Pesquisa e consultoria em Comunicação, em parceria com ISTOÉ, revelam que a maioria desses mais de 20 milhões de empregados formais, que foram obrigados a trabalhar a distância das empresas, defendem o modelo, apesar das críticas pontuais.
Para o sociólogo e CEO do Instituto Renoma, Fábio Gomes, o campo do trabalho tem agitado as redes sociais. Segundo pesquisa do Renoma, 72% dos internautas citaram o trabalho remoto ou seus congêneres (home office, trabalho a distância, trabalho em casa) em debates na internet. Identificou-se que 44% dos funcionários formais aprovaram o trabalho a distância, outros 40% eram neutros e 16% dos empregados mostraram-se contrários. Para ele, os números refletem um futuro que, apesar de muitas pessoas saberem que era uma tendência, tornou-se realidade imediata. “A pandemia empurrou-nos para fora do ninho”, entende Gomes. O sociólogo afirma que as empresas e os trabalhadores foram pegos de surpresa com o confinamento e não estavam preparados. “De uma hora para outra, sem qualquer planejamento, fomos obrigados a adequar o lar em escritórios”, afirma.
De acordo com o IBGE, em 2018, cerca de 3,8 milhões de pessoas trabalhavam nas próprias residências. Nesses tempos estranhos de Coronavírus, esse número quintuplicou. “O que era tendência de futuro, virou realidade da noite para o dia. E deu certo”, entende Gomes. O estudioso observa que a implantação imediata do trabalho em regime de home office tem gerado sabores e dissabores. Segundo Gomes, o trabalho remoto foi avaliado pelo campo crítico e de satisfação. Observou-se, do ponto de vista da satisfação, que as pessoas avaliam como positivas as mudanças “muito em função das perspectivas da romantização, que é o prazer de poder trabalhar de casa, sem ter que enfrentar as tormentas da mobilidade urbana e do deslocamento das pessoas de casa para as empresas”. Um inferno que acaba por consumir cerca de 3 horas dos funcionários diariamente. “O home office, observado desse ângulo, é um alívio para o conjunto dos trabalhadores”, avalia Gomes. As pessoas, diz ele, avaliam a mobilidade como um grande problema no cotidiano nos grandes centros.
No campo crítico, a pesquisa identificou um choque simbólico, em especial na observação feminina, sobre o dia a dia da labuta em casa. Ou seja, entre o lar, como conforto, e a casa, como ambiente de trabalho. “Sobressaiu nas análises o debate da dupla jornada das mulheres. A integração dos trabalhos assalariado e domésticos no mesmo ambiente tem levado elas ao estresse, ao cansaço e a trabalhar muito além que o expediente normal das empresas. “Faltam ajustes”, adverte.
A pesquisa Renoma pode ser facilmente amparada pelos números do IBGE, aonde se mostra que as mulheres trabalham quase o dobro que o sexo os homens por semana. Traduzindo, elas trabalham, em média, dez horas a mais que o sexo oposto. Ao cabo, diz o estudo do governo, 93% das mulheres dividem o tempo de labuta entre rotinas do trabalho remunerado e as tarefas do lar. “Com o home office, neste ponto, as mulheres acabaram sendo ainda mais penalizadas, já que muitas trabalhadoras domésticas, que ajudam o cotidiano das famílias, estão em confinamento ou foram afastadas”, avalia Fábio Gomes. Os números da organização “Doméstica Legal” mostram que o efeito pandemia, apontado por Gomes, afastou do emprego 44% dos trabalhadores domésticos formais (isolamento social), 385 mil empregadas foram demitidas, 30% foram colocadas em férias e 5,89% tiveram os contratos suspensos. O Brasil hoje soma cerca de 5,8 milhões de trabalhadores domésticos, desses 1,5 milhões são empregadas domésticas formais, 2,2 estão na informalidade e 2,3 milhões que são diaristas e não tem vínculo de emprego.
Home office como solução
Outras percepções interessantes e novas no campo do trabalho foram captadas pela Cia de Talentos. Numa consulta direta aos trabalhadores e aos empresários, a Cia de Talentos identificou que 100% das altas lideranças, hoje, estão completamente adaptadas ao regime de trabalho remoto. “Essa constatação é um avanço. Antes da pandemia, a maioria era contrária”, avalia Sofia Esteves. CEO da Cia de talentos, ela afirma que o home office é uma realidade e que a tendência no pós-pandemia é que muitos escritórios físicos sejam abandonados e o coworking assumirá mais visibilidade. O trabalho remoto ganhará protagonismo. “Teremos um grande impacto na área imobiliária comercial com a implantação do trabalho a distância”, antecipa a empresária.
Ela avalia que a quarentena provou, mais que mostrou, aos empresários que o trabalho a distância era uma previsão futura que já é realidade e não terá mais volta. “Todo mundo ganha. Os empresários que viram a produtividade crescer e as despesas fixas dos escritórios caírem. Ganham os colaboradores que podem trabalhar com mais liberdade e de qualquer lugar”, acredita Sofia. Em tempo, estima-se que as empresas economizam durante a quarentena 15% em média dos gastos com cada funcionário trabalhando fisicamente – suspensão vale transporte, os gastos com o cafezinho, a energia elétrica, além das despesas de manutenção e bens imóveis. Os funcionários trabalham cerca de 46% a mais a distância que nos ambiente físicos das empresas, diz a FGV.
Ao certo, diz Sofia, o mundo que conhecemos antes da pandemia não existirá mais. “O home office em tempos de Coronavírus derrubou o maior mito e entrave para a modernização nas relações de trabalho, que era a tese de que a produtividade seria afetada com as pessoas trabalhando de casa”. Sofia não fala em vão. No início do mês de maio ela organizou “a maior live de carreiras do mundo” com os maiores empresários do país, que durante 24 horas, num encontro virtual, debateu com milhares de participantes o futuro do trabalho na pós-pandemia. “O desafio agora é diminuir o ritmo de trabalho das pessoas. Todos nós estamos cansadas com tanta dedicação às empresas”, diz.
Os resultados da pesquisa, garante Sofia, “nos mostrou que os profissionais estão adaptados e produtivos”, afirma. Certamente, continua Sofia, ajustes precisam ser feitos e teremos que investir no desenvolvimento e aperfeiçoamento de algumas habilidades importantes para este modelo de trabalho, mas estes primeiros indicadores apontam que as pessoas estão abertas para este formato. “Está na hora de colocar a discussão sobre trabalho remoto novamente na lista de prioridade do board das organizações”, conclui.
Quem também navega na mesma corrente que Sofia e de Fábio Gomes é o CEO da agência de empregos Catho, Fernando Morette. O mercado avalia que enquanto vários setores cortam empregos, as contratações de trabalhadores para home office cresceu 375% no primeiro trimestre deste ano, segundo pesquisa do InfoJobs. “Estamos diante de uma nova realidade. O empresário que não se preparar para as mudanças imediatas terão um grande prejuízo, não só do ponto de vista financeiro mas também sob a perspectiva de conseguir manter uma equipe focada em resultados. “Excesso de cobrança é uma forma de pressão que faz parte do passado. A partir de agora, com a aceleração do trabalho remoto, a busca por metas e resultados são os pilares de qualquer empreendimento”, avalia Morette. “A vez é de confiança e de entrega de resultados”, conclui. Sofia Esteves complementa: “o autoconhecimento é a palavra chave para o profissional do pós-pandemia”, arrisca.