Perspectivas 2023 – Internacional

A fumaça das bombas na guerra da Ucrânia, que em fevereiro completa um ano de combates e penúria, deixa qualquer análise sobre o que esperar de 2023 indefinida e sombria. Não se espera paz próxima, à custa de milhares de vidas. Mesmo que se chegue a um cessar-fogo, serão meses para a Europa caminhar em direção a uma tímida estabilidade. E esse conflito, que atinge países do mundo todo, seguirá definindo rumos geopolíticos e econômicos, retardando acordos ambientais, interrompendo relações comerciais e mesmo acirrando disputas tecnológicas.

Vladimir Putin não esperava uma guerra tão longa. Ele foi surpreendido pela resistência ucraniana comandada pelo presidente Volodymyr Zelensky e sustentada por milhões de dólares e euros em armamentos. Mesmo assim, EUA e União Europeia não conseguiram dobrar o russo com as sanções econômicas impostas ao país invasor. A guerra se estende e a China é apontada como a vencedora indireta desse conflito até agora. Mesmo sem participação ativa, ao contrário. O líder Xi Jinping só observa, para aproveitar melhor a situação em seus planos de expansão internacional.

Países do Oriente Médio também se mostram contemplativos, recebendo “gregos e troianos” atrás de suas riquezas como o petróleo, enquanto a América Latina enfrenta várias turbulências, com países cada vez mais divididos diante do avanço da extrema-direita. Líderes esperam que o Brasil retorne à cena, com Lula se dispondo a ser mediador, mas o presidente eleito já terá muito que fazer em sua própria casa: reconstruir o País.

O cenário de 2023 será determinado, de fato, pelo desenvolvimento da guerra na Ucrânia. O conflito influi na alta do preço dos alimentos e combustíveis, reverte as forças da globalização e diminui o número de acordos multilaterais, isolando as nações. Os EUA, por exemplo, reforçaram na Estratégia de Segurança Nacional apresentada em outubro que a China é sua maior inimiga (e não a Rússia). Assim, a cortes de programas de tecnologia aos chineses deverão se somar acordos que impeçam repasses por parte de países-clientes (como já é o caso da Holanda). Os americanos ainda deverão estender, em seu território, a proibição de operações de empresas chinesas — que teve início com a Huawai e o TikTok, vistos como agentes de espionagem.

No pós-guerra,a Ucrânia pode assistir a grupos rivais internos, agora bem armados, promovendo conflitos entre si

Juliano Cortinhas, especialista em Relações Internacionais da UnB, lembra: “Ganha força a estratégia de ‘wedge’, que em inglês dá ideia de separação. ‘Se eu tenho vários adversários, é preciso isolar cada um, para que não se unam contra mim.’ Os EUA precisam trabalhar para manter a distância entre Rússia e China. A Rússia conseguiu o contrário: com a invasão da Ucrânia, aproximou os EUA da Europa e uniu mais a OTAN. A China é a grande vitoriosa. Porque não perde nada”.

Para o professor, o presidente russo não recua porque tem interesse no acesso ao Mediterrâneo, para aumentar sua capacidade comercial. “Talvez o objetivo de Putin seja mesmo esse: o corredor da orla do Mar Negro, de Donbass até Odessa. Por que iria querer tomar Kiev? Alguém dele teria de reconstruir totalmente o país.”

Roberto Goulart de Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, diz que a guerra, para os EUA, praticamente não tem maiores consequências, ao contrário da Europa. “Os países têm reservas de combustível que se estendem pelo menos por um mês e meio, ou mesmo até o fim do inverno, em março. A questão é a diversidade de recursos e de pressão interna que sofrem. A República Tcheca, por exemplo: 70% de sua energia depende do fornecimento russo. A Inglaterra, só de uns 10%. A França menos, a Itália mais…” Assim, talvez a inflação motive uma movimentação maior pelo cessar-fogo, observa. “Pode sair um acordo, porque também as divergências entre Europa e EUA tendem a se acentuar.”

Miniconflitos bem armados

Para Luciana Mello, do Centro Universitário IBMR-RJ e especialista em comércio exterior, a tendência da guerra da Ucrânia é se arrastar ou se transformar em miniconflitos. “Não vimos a retomada econômica que se esperava em uma póspandemia e a invasão da Rússia também não resultou em rendição imediata. A guerra se tornou estratégica”, diz. E como a rendição da Ucrânia parece improvável e não se sabe o que a Rússia ainda pode fazer, os europeus estão voltados para os próprios problemas, como a carestia. “A Europa está paralisada. Mesmo que se consiga um cessar-fogo mais próximo, essa situação vai atravessar 2023, porque nenhum país consegue uma reação econômica robusta de imediato.”

Juliano Cortinhas destaca uma questão: a quantidade de armamento despejada na Ucrânia. “Armar o país via OTAN, em número e em sofisticação tecnológica, é um risco. Temos exemplo no Afeganistão, apoiado pelos EUA na invasão russa de 1979. Criou-se o caos, o Talibã, a Al Qaeda. A Ucrânia não é uma democracia liberal. É muito separada em grupos rivais, que se uniram contra a invasão da Rússia. Mas, e depois? Haverá muita gente armada e provavelmente divisões internas. O fim da guerra pode significar uma bagunça generalizada para o Zelensky reorganizar. Ele conseguirá?”