Quem já esteve na capital britânica sabe que não é difícil cruzar com um muçulmano nas ruas de Londres. Ao todo, cerca de 3 milhões deles vivem hoje no Reino Unido, número que dobrou nos últimos dez anos. Como em outros países europeus, na Inglaterra os muçulmanos sofrem mais com o desemprego que a média da população e são super-representados na população carcerária. A esse cenário soma-se o desgaste dos europeus com a recente crise de refugiados sírios e africanos, e o feito de Sadiq Khan, filho de imigrantes paquistaneses, torna-se ainda mais relevante. “Nunca sonhei que uma pessoa como eu pudesse ser eleito prefeito de Londres,” disse Khan, do Partido Trabalhista, que, na semana passada, derrotou o multimilionário conservador Zac Goldsmith com 56,8% dos votos. Primeiro prefeito muçulmano de uma grande capital ocidental na Era Moderna, ele dedicou a vitória aos pais, um motorista de ônibus e uma costureira, e prometeu combater a desigualdade social numa das cidades mais caras do mundo.
“A eleição de Khan é muito significativa nesse contexto, porque mostra que a maioria dos londrinos reconhece a diversidade como uma força,” disse à ISTOÉ William Ackah, professor de política de Birkbeck, Universidade de Londres, que não vê o mesmo acontecendo tão cedo em outras capitais europeias. “Na questão multicultural, Londres é muito mais progressiva que a maioria das cidades e a população muçulmana é menos segregada do que em Paris.” Aos 45 anos, casado e pai de duas filhas adolescentes, Khan é símbolo dessa integração e, com sua história, quer inspirar mais muçulmanos a entrarem na política. Em nota, o secretário-geral do Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha, Shuja Shafi, disse esperar que o novo prefeito ajude a criar “novos laços entre as comunidades”. “Sadiq demonstrou notável dignidade em face do ódio e das suspeitas sobre seu passado religioso”, afirmou. Ainda assim, o fato de Khan ter chegado à prefeitura não o isenta de sofrer resistência em determinados grupos. Durante a cerimônia de posse no sábado 7, na Catedral de Southwark, o líder do partido nacionalista e de extrema-direita Britain First, Paul Golding, virou as costas para o novo prefeito como protesto.

Mulher muçulmana passa por cartaz da campanha de Khan à prefeitura
Na corrida eleitoral, os opositores relacionaram Khan, que, antes de entrar para a política, atuou como advogado da área de direitos humanos, a fundamentalistas e questionaram sua capacidade em lidar com a ameaça jihadista. O tema é especialmente caro ao país desde que capitais vizinhas sofreram atentados terroristas e a radicalização de jovens muçulmanos e recém-convertidos se tornou um problema. Nos últimos anos, segundo as autoridades do país, ao menos 800 britânicos se juntaram ao Estado Islâmico e outros grupos extremistas na Síria e no Iraque – metade deles teria retornado ao Reino Unido. “Algumas pessoas esperam que a radicalização islâmica seja interrompida por mostrar que Khan ‘chegou lá’, mas isso é um equívoco sobre a natureza do radicalismo da comunidade muçulmana britânica”, afirma Michael Kandiah, professor de História Britânica Contemporânea do King’s College, de Londres. “Na verdade, ele poderá ter problemas com esse grupo, porque terá que lidar com uma cidade multiétnica e tomar decisões que podem ser vistas como muito ‘liberais’ ou não suficientemente islâmicas.” Isso já aconteceu antes. Em 2013, o trabalhista desafiou a rejeição da comunidade muçulmana ao votar a favor do casamento gay, quando era membro do Parlamento britânico, e chegou a sofrer ameaças de morte. Antes disso, foi ministro dos Transportes na administração do premiê trabalhista Gordon Brown.
Foi com essa experiência que Khan montou um plano que congelaria as tarifas de transporte público durante os próximos quatro anos. Controversa, a medida custaria 1,9 bilhão de libras esterlinas, segundo o órgão municipal Transport for London, quatro vezes mais do que nos cálculos do trabalhista. Mas, na busca por tornar Londres uma cidade mais acessível para o bolso de seus moradores, Khan terá um desafio ainda maior enquanto prefeito: o custo da moradia. Tendo crescido num conjunto habitacional onde dividiu um beliche com um dos sete irmãos até os 20 anos, Khan sabe, como poucos políticos, que essa é uma prioridade. Agora ele comanda um orçamento anual de 17 bilhões de libras esterlinas e tem em suas mãos o poder de controlar o que já é chamado de “crise imobiliária”. Durante a campanha, o novo prefeito colocou como meta que metade das novas construções seja destinada à habitação popular num lugar onde o metro quadrado pode custar até 12 mil libras esterlinas – se Khan conseguir isso, nem os eleitores mais conservadores lembrarão de sua religião.