O movimento #metoo finalmente vai chegar à indústria dos jogos eletrônicos? Embora não exista uma certeza a respeito, o setor, acusado há muitos anos de sexismo, se vê obrigado a enfrentar o problema, destacam os analistas.

O primeiro exemplo importante remonta ao “Gamergate” de 2014, como foi chamado o caso de assédio virtual à criadora americana Zoe Quinn.

Várias controvérsias foram registradas, mas nada levou a uma tomada de consciência global similar ao efeito que o #metoo teve, por exemplo, no mundo do cinema.

Nas últimas semanas, porém, várias acusações de sexismo e assédio contra executivos da empresa francesa Ubisoft resultaram no afastamento do número dois do grupo, da diretora de recursos humanos e do diretor dos estúdios canadenses.

Durante muito tempo houve, tanto por jogadores como por estúdios, “uma falta de empatia a respeito de algo que não consideram sistêmico”, opina Isabelle Collet, professora da Universidade de Genebra.

Uma tendência talvez reforçada pela cultura “geek”, que se declara transgressora e desrespeitosa, e que pode levar os jogadores, quando sentem que esta cultura está sendo atacada, a optar por “representações machistas”, segundo Collet.

Além das jogadoras ou criadoras de jogos, a questão da representação das mulheres nos produtos continua provocando debate.

A evolução da famosa heroína Lara Croft é um sinal da lenta tomada de consciência. A princípio era muito voluptuosa e vestia roupas curtas, mas nas últimas versões aparece com um corpo mais realista e com roupas mais adequadas para uma aventura.

“Muitos jogos propõem representações sem estereótipos, mas alguns ainda estão muito carregados com os mesmos, e isto inclui sobretudo a hiperssexualização dos corpos”, indica Fanny Lignon, professora da Universidade Lyon 1 e funcionária do Centro Nacional para a Pesquisa Científica (CNRS).

“As mulheres geralmente são esbeltas, bem proporcionadas; os homens têm corpos mais variados, embora geralmente sejam jovens e atléticos. No final, encontramos uma visão transmitida por outros meios, como a publicidade, por exemplo”, explica.

– Estereótipos-

As representações estereotipadas estão muito arraigadas em alguns “gamers”. A silhueta musculosa de Abby, a heroína do jogo “The Last of Us Part 2”, provocou uma onda de comentários negativos que consideravam o corpo “não realista” para uma mulher.

“Vemos emergir cada vez mais personagens femininos um pouco ‘duros’ (difícil de derrotar)”, destaca Fanny Lignon. Em “Assassin’s Creed Odissey, por exemplo, é possível escolher uma mulher com um “verdadeiro corpo de guerreira”.

O setor afirma que tem consciência do problema da representação da mulher nos jogos e do seu espaço nos estúdios, enquanto trabalha para resolver a questão.

Na França, o Sindicato Nacional de Video Games (SNJV) afirma “trabalhar a favor de uma diversidade maior nas equipes de produção, mas é um trabalho a longo prazo, que deve ser acompanhada pelas autoridades públicas”, especialmente para estimular as jovens a escolher a profissão.

“Incluir mais mulheres significa ter vontade de recebê-las melhor, é necessário criar um ambiente mais favorável”, insiste Collet. “As editoras são atualmente verdadeiras empresas que devem ter ferramentas de luta contra o assédio”, completa.

Muitos afirmam que o sexismo nos jogos é um reflexo de um problema global da sociedade, mais que um tema específico deste universo.

“Acontece em muitas comunidades que não são necessariamente acusadas, como a medicina ou o jornalismo”, afirma Isabelle Collet. “É um ambiente que o transforma em um bom bode expiatório, mas não é necessariamente pior que os outros”, indica.

“O mais irritante é que o sexismo pode ser mais comum em outros tipos de mídia sem necessariamente ser percebido”, afirma Lignon.