Fotos inéditas mostram interior de casas e sinagogas atacadas na Noite dos Cristais
DEPREDAÇÃO Casa abaixo: agente nazista destruindo móveis na busca por documentos escondidos (Crédito:Divulgação)

“Ouvimos um quebra-quebra de vidros e, depois, olhando de nossa sala, vimos que as janelas dos prédios em frente estavam sendo quebradas, de fora para dentro”. Esse é o relato de Hans Sigismund Bergmann, judeu polonês que morava na Alemanha, sobre a noite do dia 9 de novembro de 1938. Ele tinha apenas 13 anos. Esse episódio ficou conhecido como “Noite dos Cristais” e marcou o início da perseguição nazista violenta aos judeus na Segunda Guerra Mundial. Neste mês, o Museu do Holocausto Yad Vashem divulgou cinco imagens inéditas dos ataques. Nelas, agentes da milícia nazista SA são mostrados dentro de sinagogas e casas de judeus ateando fogo e confiscando livros. Segundo Maria Tucci, historiadora da USP e especialista em mentalidade social do Holocausto, as fotografias são inovadoras por retratarem, além dos militares, as pessoas que estavam sendo atacadas dentro de suas casas. “Até então, não tínhamos a visão de dentro das residências”.

O material fotográfico já conhecido da Noite dos Cristais era composto de imagens de casas e prédios pegando fogo. Um soldado judeu americano que serviu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial guardou as fotos por décadas. Seus descendentes doaram as fotografias ao museu, com a condição de não revelar o nome do soldao nem como o material chegou às mãos dele. A Noite dos Cristais é considerada um marco para os estudiosos do Holocausto porque, mesmo com os judeus sofrendo antissemitismo velado, o fanatismo na Alemanha não havia alcançado antes aquele nível de violência: estima-se que entre os dias 9 e 10 de novembro, 30 mil judeus tenham sido enviados a campos de concentração e quase 100 pessoas foram mortas. A destruição simbólica também foi violenta, com quase 10 mil lojas e sinagogas tendo suas fachadas de vidro destruídas – visão tão forte na lembrança das pessoas que vivenciaram esse ataque que os cacos de vidros arremessados deram nome ao episódio.

Fotos inéditas mostram interior de casas e sinagogas atacadas na Noite dos Cristais
COMBUSTÃO Fogueiras de destruição: o salão de uma sinagoga começa a arder em incêndio ateado pelos militares alemães (Crédito:Yad Vashem photo arquive)

 

Fotos inéditas mostram interior de casas e sinagogas atacadas na Noite dos Cristais
CONFISCO Letras perigosas: soldados levam embora livros das bibliotecas das famílias de judeus (Crédito:Yad Vashem photo arquive)

A narrativa contada pelo governo alemão nos anos seguintes era de que a Noite dos Cristais tinha ocorrido como um “levante espontâneo da população”. Tucci afirma, entretanto, que os civis alemães não participaram do ataque diretamente: “Eles eram convenientes com o que o Estado fazia, mas não eram atuantes com os militares”.

A Noite dos Cristais não foi uma situação isolada: um ataque violento a grupos específicos é chamado de pogrom, palavra russa para “destruição maciça”. No caso dos judeus, eles já tinham sido alvo de perseguição parecida na Rússia. No pogrom alemão, o gatilho foi o assassinato de um diplomata alemão por um estudante judeu de 17 anos. O atentado foi uma justificativa para que a violência do Estado saísse do campo jurídico, com leis que limitavam a cidadania dos judeus, e fosse para o campo físico, com o fortalecimento dos campos de concentração. A professora da USP define que as imagens fazem a mediação entre passado e presente: “Ver essas fotos permite que episódios assim não sejam esquecidos”.