De duas, uma: ou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, não conhece a história do Chile, ou a conhece muito bem e acha que regimes de exceção colocam a casa em ordem. A primeira hipótese seria melhor para sua biografia e a república brasileira. Mas parece que é a segunda que habita as suposições políticas do ministro. O Brasil carece de profundas reformas na área econômica, mas confundir tal necessidade com ditaduras sanguinolentas é no mínimo um absurdo. Disse Lorenzoni:

“No período Pinochet, o Chile teve que dar um banho de sangue. Triste. O sangue lavou as ruas do Chile, mas as bases macroeconômicas fixadas naquele governo… Já passaram oito governos de esquerda e nenhum mexeu nas bases macroeconômicas colocadas no Chile”.

Vale pôr as ideias no lugar.

Os militares chilenos romperam com a legalidade e rasgaram a Constituição do país em 1973, comandados pelo general Augusto José Ramón Pinochet Ugarte. Ele, o ditador Pinochet, bombardeou o Palácio de La Moneda e assim morreu o então presidente eleito democraticamente Salvador Allende. Na primeira hora Pinochet começou a promover o banho de sangue, prendendo adversários ideológicos (nada a ver com reformas econômicas) no Estádio Nacional. Artistas que zelavam pela democracia foram eliminados – no estádio, o famoso guitarrista Victor Jara teve suas mãos decepadas antes de ser morto.

Pinochet tomou para si o governo em 1990 e criou, também para si, um cargo de ditador vitalício para quando fosse escorraçado do poder.

No foi o Chile que “teve que dar um banho de sangue”, foram os militares que usurparam o poder que promoveram uma carnificina. Sob o comando de Pinochet, a ditadura exilou cerca de duzentas mil pessoas e torturou milhares de outras. Estima-se que tenha matado mais de três mil oponentes do regime. Não há reforma econômica que justifique tudo isso.

É possível e é dever de quem está no governo brasileiro reformar e aprimorar a economia sem falar no “sangue que lavou as ruas do Chile”.