Steven Soderbergh acaba de provar que filmar em preto e branco não é essencial para se fazer um típico filme noir. O talentoso diretor optou pelas outras características que definiram o estilo criado nos anos 1940, como a iluminação dramática repleta de contrastes e o elenco de personagens misteriosos, que nunca revelam tudo que sabem. O noir de Soderbergh se passa na Detroit dos anos 1950, época em que as grandes montadoras disputavam o poder na capital da indústria automobilística com todas as armas possíveis. Essa intricada guerra entre as gangues é o que faz de “Nem um Passo em Falso” um dos melhores filmes de sua brilhante carreira. Não é tão divertido como “Onze Homens e um Segredo”, com George Clooney e Brad Pitt, nem tão cerebral quanto “Traffic”, que lhe rendeu o Oscar de melhor diretor em 2001. Na nova produção que acaba de estrear na plataforma HBO Max, no entanto, Soderbergh constrói a história com elementos dessas duas tramas, criando uma obra autoral que nasce clássica e que explica o por quê todos os grandes astros do cinema brigam para estrelar suas produções.

A iluminação repleta de contrastes e o elenco de personagens misteriosos criam um clima de filme noir

UNANIMIDADE Steven Soderbergh: o diretor favorito dos astros de Hollywood (Crédito:Divulgação)

Efeito ‘Robin Hood’

A principal razão é que ele faz filmes para adultos — isso não é pouco em uma Hollywood cada vez mais infantilizada por super-heróis e videogames. Sodderbergh filma para fãs de cinema, o que não é algo tão óbvio quanto parece. “Nem um Passo em Falso” traz uma história complexa, com tantas reviravoltas e traições que é preciso prestar atenção o tempo todo para não perder quem está do lado de quem — e vice-versa. Tudo começa com um trio de gângsteres invadindo a casa de um executivo para ameaçar sua família e forçá-lo a entregar um documento importante. A missão supostamente é simples, mas claro que tudo dá errado — e é aí que começam os questionamentos. Quem traiu quem? Por qual motivo? A mando de qual dos chefões?

Como sempre, Soderbergh contou com um elenco da pesada: Don Cheadle, Benicio Del Toro e David Harbour têm os papéis principais, apoiados por Matt Damon, Jon Hamm, Ray Liotta, Brendan Fraser, Kieran Culkin e Julia Fox. Foi filmado durante a pandemia, o que incentivou o roteirista Ed Solomon a incluir uma sutil referência nos diálogos: ao fazer uma mulher refém, o personagem de Benicio Del Toro, mascarado, cobre o rosto dela com um cobertor para ele poder ficar livre para respirar. “Essas máscaras incomodam muito”, reclama para a refém. O que vale aqui não é apenas o formato “todos contra todos”, como seria em um filme de Tarantino ou dos irmãos Coen. Soderbergh encontra uma maneira de criticar o racismo e as grandes corporações, mantendo a síndrome de Robin Hood que sempre acompanha suas obras: o dinheiro deve terminar com quem mais precisa dele. Quem, então, se dá bem no final? Entre mortos e feridos, os grandes vencedores estão do lado de cá da tela: nós, os fãs do bom cinema.