Uma hora antes de nascer, Flávio (nome fictício) estava preso. Era domingo de carnaval. Em uma cela de 2 metros quadrados, no 8.º DP (Brás), zona leste de São Paulo, ele se revirava no ventre de Jessica Monteiro, de 24 anos. Deitada no chão, enrolada em lençóis de detentos dos dias anteriores, ela notou que sangrava. No mesmo cubículo, um buraco no lugar do vaso sanitário expelia baratas e ratos.

Parda, desempregada, beneficiária do Bolsa Família, inscrita em programa de habitação social, moradora de ocupação irregular, com ensino fundamental incompleto e mãe de outros dois filhos, Jessica estava detida quando sentiu as primeiras dores do parto. “Meu medo era ele querer nascer ali e eu não ter a estrutura certa. Era muito nojento. Ele não merecia.”

Flávio havia sido preso 24 horas antes com a mãe, acusada de tráfico pela suposta posse de 98 gramas de maconha em casa. Ré primária, ela alega inocência. Admite que vivia com pessoas que seguiam caminhos errados.

Jessica conta que, depois de avisar que estava sangrando, um detento da cela ao lado, que teria noções de enfermagem, foi chamado pelo carcereiro para dar o veredicto e atestou: “Não tem como ela ter o neném aqui. Vai pegar infecção na hora”. Eram 5 horas de domingo e a audiência de custódia seria pouco depois. “Eu tinha de aguentar a dor até a audiência, mas não consegui. Acabei tendo ele, pelo nervoso.” Às 6h, os dois foram levados, com escolta, para o Hospital Municipal Inácio Proença de Gouveia, na Mooca, zona leste. Flávio nasceu de parto normal.

Informado da ausência de Jessica à audiência por causa trabalho de parto, o juiz Claudio Salvetti D’Angelo decidiu manter a detenção, convertida de prisão em flagrante para preventiva.

“Chorei muito quando ele nasceu. Fiquei feliz, mas triste ao mesmo tempo pela situação. Nós dois íamos ficar presos”, diz Jessica. O recém-nascido foi levado pelas enfermeiras para fazer exames, e ela aguardou seu retorno algemada à cama. Três dias depois, os dois retornaram à mesma cela do 8.º DP. O primeiro banho de Flávio fora do hospital foi em um balde na carceragem, com água esquentada pelos presos. A família levou roupas e parentes dos detidos ofereceram comida. Naquela primeira noite, Jessica dormiu abraçada ao filho.

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“Fez frio e estava com medo de ele pegar friagem. Estava com muito dó. Queria protegê-lo dentro de uma cela fedida, com medo de pegar uma bactéria.” Os dois foram transferidos no dia seguinte para a Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte, onde ficaram por dois dias, quando o pedido de habeas corpus foi aceito. Agora, ela cumpre prisão domiciliar.

Nesta segunda-feira, 19, Flávio ganhou sua certidão de nascimento. “É humilhante e triste ter um bebê na cadeia ou ir para a cadeia com um bebê. Meu filho não precisava passar por isso. Já pedi muito perdão para ele. É como se ele fosse culpado, né?”

Julgamento

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nesta terça-feira, 20, um habeas corpus coletivo em favor de todas as presas grávidas, parturientes ou mães de crianças com até 12 anos. A Defensoria Pública quer que as mulheres nessa situação sejam transferidas para prisão domiciliar.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 622 mulheres presas em todo o País estão grávidas ou amamentando. A ação constitucional chegou ao STF em maio e é relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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