Os quinze primeiros dias do cardiologista Marcelo Queiroga no comando do Ministério da Saúde indicam que nada vai mudar na condução do País durante o combate à pandemia. Quarto a ocupar o cargo desde o início da maior crise sanitária da história, Queiroga iniciou a gestão marcada por referendar o discurso negacionista de Bolsonaro, renegando a necessidade do lockdown, descumprindo prazos quanto à entrega de vacinas, mostrando incompetência na compra de mais imunizantes e desmontando programas de distribuição gratuita de medicamentos à população de baixa renda. Pior: desde que assumiu, o País passou a enfrentar o período mais dramático da doença, com a disparada de mortes diárias, falta de remédios para intubação e de oxigênio para pacientes mais graves, levando os hospitais ao colapso. Sem vagas em UTIs e uma campanha de imunização lenta, o Brasil registrou 4.195 mortes diárias pela Covid na terça-feira, 6. Até agora, quase 350 mil brasileiros perderam suas vidas. E o presidente genocida diz: “Não vamos chorar o leite derramado.”

Queiroga assumiu o posto deixado pelo general Eduardo Pazuello como estratégia de Bolsonaro para tentar diminuir a pressão do Congresso e se livrar do perigo de ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O problema é que o novo ministro aparenta ser apenas a cena de um filme já visto pelos brasileiros. “Foi uma troca para não mudar. Na minha opinião, Bolsonaro realizou essa mudança porque o momento para a criação da CPI da Covid tinha crescido. Isso não substitui a necessidade de uma CPI. O Congresso tem de investigar o governo durante a pandemia”, afirmou o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde.

Assim que assumiu, Queiroga até tentou se afastar das ideias nefastas de seu chefe. Prometeu que faria uma gestão baseada na ciência, defendendo o isolamento social e o uso de máscaras – diretrizes condenadas pelo ex-capitão, que sequer usa proteção no rosto durante suas aparições públicas. Chegou a afirmar ser contra o chamado “tratamento precoce” feito com uso de medicamentos sem eficácia, como a cloroquina, amplamente defendido por Bolsonaro.

Dias depois, no entanto, as opiniões do novo ministro já eram outras. Ao ser questionado sobre o uso do medicamento ineficaz para tratar a Covid, passou a apoiar a autonomia do médico na hora de prescrever medicamentos aos seus pacientes. Começou também a se posicionar contra o lockdown, tal como manda a cartilha de Bolsonaro, que acionou até o STF para tentar reverter medidas restritivas adotadas por alguns governadores em seus estados. “A ordem é evitar o lockdown”, afirmou Queiroga.

O CAOS SE AGRAVA Faltam leitos de UTI, remédios para intubação e oxigênio para os pacientes graves (Crédito:Leonardo Benassatto)

As mudanças no discurso de Queiroga revelam que, a princípio, Bolsonaro conseguiu o que queria: amenizou a crise com parlamentares e manteve na Saúde um ministro disposto a obedecer às suas ordens. Mas, segundo deputados e assessores do Ministério da Saúde, a questão é: até quando? Para muitos, isso não deve durar muito tempo. “Ele tentou fazer o papel de médico consciente. Mas não vai adiantar. Você pode colocar o Nobel de Medicina no cargo. Com Bolsonaro, vai ficar sempre essa saia justa. Queiroga está optando em se calar frente às insanidades do presidente. Mas uma hora ele vai perder a credibilidade”, afirmou o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, um dos demitidos por não ter tolerado as divergências com Bolsonaro. O outro foi Nelson Teich, que abandonou o cargo um mês após ter sido nomeado por não concordar com as opiniões do mandatário sobre o uso da cloroquina.

Vacinação lenta

O cardiologista enfrenta outras dificuldades para além do alinhamento aos discursos do seu chefe. A começar pela baixíssima oferta de vacinas no Brasil, um dos países com o ritmo de imunização mais lento do mundo. Em uma de suas primeiras entrevistas, o ministro disse que pretendia imunizar diariamente 1 milhão de brasileiros até abril, o que não aconteceu. A meta é distante, sobretudo porque o governo não entregou nem a metade das 46 milhões de doses que havia prometido aos estados para o mês de março. Esse assunto também tende a gerar desgaste na relação entre Bolsonaro e seu subordinado. Pressionado, o capitão quer comprar 10 milhões de doses da vacina russa Sputnik V, mas ainda não pode distribuí-las para a população porque o imunizante não possui autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo a agência, a fabricante ainda não apresentou uma série de documentos necessários para a liberação da vacina. Bolsonaro telefonou para o presidente da Rússia, Vladimir Putin, na tentativa de resolver o “impasse”.

Além disso, Queiroga herda a pasta com cortes em programas importantes para a condução da pandemia. Em 2020, mesmo com a proliferação do vírus, o governo reduziu o fornecimento de remédios que tratam comorbidades da Covid para os mais pobres. No ano passado, 20,1 milhões de brasileiros foram beneficiados pelo programa Farmácia Popular, atingindo o índice de cobertura mais baixo desde 2014. O número de farmácias também diminuiu: caiu de 34 mil, em 2013, para 30,9 mil em 2020. Queiroga começou mau e o Brasil tem tudo para chegar logo aos 500 mil mortos, como prevêem os infectologistas com maior credibilidade no mundo: uma tragédia provocada pela insensatez.