Quem atirava pedras, agora se torna vidraça. A adaptação ao provérbio chinês, muito popular no Brasil, se ajusta como uma luva ao presidenciável Jair Bolsonaro – que se vende como um anti-Lula quando lhe é conveniente, mas na realidade comporta-se à imagem e semelhança do petista. Na prática e nos discursos. Crítico ferrenho da “política tradicional” e sempre bradando aos quatro ventos nunca ter participado de esquemas de corrupção, Bolsonaro agora se vê enredado em uma série de denúncias. Desde a lavagem de dinheiro, perpassando pelo suposto enriquecimento ilícito, até o tão ou mais grave emprego de uma funcionária fantasma com dinheiro público – servidora esta que, ao lado do marido, presta serviços particulares para o parlamentar numa de suas residências.

A tempestade perfeita contra Bolsonaro foi iniciada com um levantamento que revelou que o deputado e seus três filhos fizeram transações imobiliárias suspeitas, com a compra de 13 imóveis por R$ 15 milhões. Bolsonaro comprou duas casas na Praia da Barra, no Rio, por valores abaixo da avaliação da prefeitura: em uma delas pagou R$ 500 mil, mas o imóvel está avaliado em R$ 2,2 milhões. No outro, ele pagou R$ 400 mil, mas havia sido orçado em R$ 1,06 milhão. Diante das acusações, em vez de esclarecer os fatos, ele simplesmente se disse “vítima de uma campanha de assassinato de reputação”. Agiu exatamente como Lula, quando flagrado em malfeitos: o petista sempre repetia que tudo não passava de artimanhas para prejudicá-lo. Ao se colocar como vitima nas denúncias que o envolveram nos últimos dias, Bolsonaro, tal qual o petista, parece não entender que revelações sobre o passado de um candidato fazem parte do processo democrático.

Os fantasmas de Bolsonaro

Mas foi no apagar das luzes da semana que surgiu a acusação mais arrebatadora contra o parlamentar e candidato a presidente, Jair Bolsonaro: a de que o deputado emprega em seu gabinete uma servidora fantasma. De novo: como Lula, o presidenciável e extremo oposto do petista incorre em desvios éticos. E por mais que pareçam menores à primeira vista – embora não o sejam, pois deslizes morais não devem ser relativizados –, constituem ilícitos capazes de tisnar a imagem do candidato perante a opinião pública e o eleitorado. Ademais, não existem pessoas meio honestas. Ou são honestas ou não. Segundo a denúncia, Bolsonaro usa a verba da Câmara para dar emprego para uma vizinha dele em um distrito a 50 km do centro de Angra Dos Reis (RJ). Mas ela não é uma vizinha qualquer. Além de trabalhar em um comércio de açaí na mesma rua onde fica localizada a casa de veraneio do deputado, Walderice Santos da Conceição presta serviços particulares na casa de Bolsonaro. Desde 2003, Wal, como é conhecida, aparece como uma dos 14 funcionários do gabinete de Bolsonaro, em Brasília, com salários de R$ 1.351,46. Ou seja, o deputado se vale do dinheiro público para obter vantagens pessoais.

É a velha e surrada confusão entre o público e o privado, tão familiar a Lula e ao PT. Nesse caso, Bolsonaro fez duas economias numa tacada só: o marido da funcionária fantasma, Edenilson, também trabalha para ele. Como caseiro. Só que Bolsonaro não tira nada do bolso, com o perdão do trocadilho, para pagá-los. O recurso é da Câmara – dinheiro nosso, portanto. Instado a mencionar algum exemplo de serviço parlamentar prestado pela funcionária, que justificasse o fato de ela estar vinculada ao seu gabinete, ele respondeu com a variação lulista do já clássico “não sei de nada”. “Como é que eu vou saber? Se eu mantiver um contato diário com meus 15 funcionários, eu não trabalho”, alegou Bolsonaro.

A principal pérola, no entanto, ainda estava sendo lapidada. Entre os petardos lançados contra ele, o deputado também foi acusado de receber auxílio-moradia na Câmara dos Deputados de R$ 4.253 por mês, mesmo tendo imóvel próprio em Brasília. Questionado se havia usado o dinheiro do benefício para comprar seu apartamento, Bolsonaro perdeu as estribeiras e as rédeas do bom senso, se é que um dia já teve: “Como estava solteiro naquela época, esse dinheiro do auxílio moradia eu usava para comer gente”, disse.

AREIA NO AÇAI Conhecida como Wal, funcionária fantasma de Bolsonaro tem um comércio de açaí

As inconsistências nas declarações de Bolsonaro viraram destaque na imprensa e nas redes sociais. Como o petista, no entanto, ele preferiu disparar contra os jornalistas, em lugar de elucidar os fatos. No embalo das suspeitas, foi resgatada uma entrevista concedida pelo deputado em 1999, quando ele afirmou: “Conselho meu e eu faço: sonego tudo o que for possível”. A justificativa para burlar a legislação era de que “o dinheiro dos impostos vai pro ralo, pra sacanagem”. Na ótica de Bolsonaro, deve-se sonegar impostos para “sobreviver”. Uma confissão de crime, por óbvio. Se a declaração por si só já seria de extrema gravidade, caso fosse pronunciada por qualquer cidadão comum, imagine partindo de um aspirante a comandar os destinos do País. A insanidade dita por ele há 20 anos, porém, restou amortecida. E o deputado, de novo, preferiu partir para o confronto com a mídia. “Façam matéria pesada sim, bastante, contra mim. Que se eu chegar, não vou perseguir vocês. Vou pagar pra vocês o que vocês merecem”, disse Bolsonaro. Lula sacou uma afirmação semelhante durante o julgamento do tríplex, ao dizer que, se for eleito, poderá mandar investigar os jornalistas, juízes e procuradores que agora o investigam. “Se não me prenderem logo, quem sabe um dia eu mando prendê-los por mentir”.

Na teoria, Lula e Bolsonaro são antípodas. Um está no espectro ideológico da esquerda e outro no da direita. “Na prática, a teoria é outra. Há muito mais em comum entre os dois candidatos à Presidência do que pode imaginar a nossa vã filosofia”, afirma Hubert Alquéres, professor e membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.

As semelhanças se traduzem no próprio comportamento do eleitorado. Como bem lembrou Alquéres, Bolsonaro é a direita que Lula gosta e Lula a esquerda que encanta Bolsonaro. Um é a cara do outro.