Presidente nacional do Podemos, a deputada Renata Abreu (SP) virou a principal cabo eleitoral da candidatura do ex-juiz Sergio Moro à Presidência da República nas eleições de 2022. Além de ter ajudado a convencê-lo a se filiar no partido, no começo deste mês, Renata também tem sido um dos canais de diálogo da pré-campanha com outras siglas que pretendem ter candidatos próprios no ano que vem. Sem citar nomes, a deputada disse que o Podemos iniciou conversas com várias legendas “de centro”, defendeu que o ex-juiz seja cabeça de chapa e indicou que a escolha do vice vai passar pelo crivo de uma pesquisa. “Não tem razão nenhuma para que Moro não seja cabeça de chapa”, disse em entrevista a ISTOÉ. “Ele me diz sempre: se tivesse outro candidato com mais viabilidade, ele toparia compor e até ser vice, mas ele espera que a recíproca seja verdadeira”. Para a dirigente, o principal rival do ex-ministro na campanha é Lula, velho conhecido de Moro na época da Operação Lava Jato. Mesmo assim, não economizou críticas a Bolsonaro, que vem acusando-o de ter sabotado o seu governo quando era seu ministro da Justiça. “Moro não traiu os princípios dele. Quem traiu foi Bolsonaro. Bolsonaro é mimado. Tudo tem que ser do jeito dele”, disparou.

O que faz o Podemos acreditar que a candidatura de Moro pode vingar como a representante da terceira via?
Atualmente, Moro é o melhor candidato para enfrentar o PT e impedir um retrocesso ainda maior no combate à corrupção. Essa é a minha leitura. Não se trata nem de terceira via. Mas da via que mais está preparada para encarar esses desafios, da retomada econômica e do combate à pobreza, por exemplo. Porque, hoje, isso tem que ser uma prioridade nacional.

O fato de Moro nunca ter sido político pode jogar contra?
Não, de forma nenhuma. Ele é um homem extremamente preparado, que foi juiz durante muitos anos. É extremamente capacitado. Foi ministro da Justiça. Moro tem condições plenas de conduzir o País. O que percebemos é que o que o Brasil mais precisa hoje é de equilíbrio, de bom senso e preparo, coisas que não vimos nos últimos presidentes.

Existe chance de Moro não ser cabeça de chapa? Há diálogo com outros partidos de centro?
Nós sempre tivemos o projeto de apresentar um candidato a presidente. Nas últimas eleições, em 2018, muitos partidos se uniram para apoiar Geraldo Alckmin. Já a gente lançou o Álvaro Dias. É evidente que a gente tem o projeto de apresentar uma alternativa para o País. Hoje, Moro é o único candidato da terceira via que pontua com dois dígitos, que largou muito bem nas pesquisas, que dá visibilidade ao caminho do meio. Não há razão nenhuma para Moro não ser o cabeça de chapa. Agora, é natural que haja diálogos com outros partidos. Tem que haver sempre. Até porque, outros candidatos que se colocam na disputa podem vir a compor com a gente. É o que Moro sempre me fala: se ele estivesse lá embaixo nas pesquisas, com 1%, e tivesse outro candidato da terceira via com mais viabilidade, ele toparia compor e até ser vice de outro candidato. Mas Moro também espera que a recíproca seja verdadeira. Hoje, sinceramente, acho difícil haver um cenário em que Moro não seja o preferido na terceira via.

Na hipótese de Moro ser o cabeça da chapa, como estão as conversas para definição de um vice?
É muito cedo para definir vice. Tem muita coisa para ser levada em consideração. Tem que levar em conta as pesquisas que apontam quem será o nome que mais agrega. A questão das alianças partidárias também são muito importantes, precisam ser priorizadas. Mas, naturalmente, temos que pensar que precisamos trazer para a campanha um vice que some ao projeto, ouvindo, dentro das pesquisas que estamos fazendo, qual é o perfil que o eleitor gostaria de ver ao lado de Moro. É muito cedo ainda para a definição de vice.

Com quem o Podemos conversa?
A gente tem dialogado com vários partidos. Temos falado com os partidos do centro. E eu entendo que é natural que, se houver uma convergência, nasça uma aliança. Mas penso também que seja estratégico levar em conta as avaliações feitas pelas pesquisas sobre o perfil do vice.

Quais riscos que o fato de Moro ter participado do governo Bolsonaro podem trazer para a campanha em que o presidente é um dos principais adversários?
Eu não vejo riscos. Mesmo porque Bolsonaro foi eleito por 55 milhões de brasileiros. A maioria já se desapontou com ele e está buscando um caminho alternativo. A experiência e a vivência que Moro teve no ministério é muito positiva para o projeto dele de apresentar soluções para o País. Agora, Moro, ao contrário de muitos ministros que estão no governo, foi um dos que aceitou o convite por princípios. Desde o início ele acreditava que era possível colocar o combate à corrupção como uma política pública e não acontecer no Brasil o que aconteceu na Itália com a Operação Mãos Limpas. Mas quando ele viu que estava sendo sabotado pelo próprio presidente, que tinha lhe prometido autonomia para construir esse caminho de combate à corrupção, o que não aconteceu, ele teve a decência de erguer a cabeça e sair do ministério. Muitos ficaram por causa dos cargos, porque entendem que é uma honra ser ministro. Mas ele não abriu mão dos princípios. Isso, inclusive, é o fato que mostra que ele é diferente de Bolsonaro. Mostra que Moro é uma pessoa que tem princípios, que tem caráter e que acredita na luta que ele sempre fez à frente da Operação Lava Jato.

Quais os efeitos que a decisão do STF de considerar o ex-juiz parcial na Lava Jato podem trazer para sua campanha em 2022?
É importante lembrar que, em nenhum momento, a Justiça disse que não houve crimes e nem roubo do dinheiro público. As provas, inclusive, são robustas. Tanto é que foram devolvidos aos cofres públicos mais de R$ 4 bilhões. Foram R$ 10 bilhões em multas. Mais R$ 12 bilhões a serem devolvidos. Então, é muito evidente que ele fez um trabalho exemplar de combate à corrupção. Embora a gente respeite as decisões do STF enquanto instituição, a gente entende também que essa última decisão foi muito mais uma reação política. Quem conhece questões processuais em um julgamento, sabe o que, de fato, aconteceu.

Em seu livro, Moro faz novas acusações contra as tentativas de Bolsonaro de interferir na PF para proteger os filhos. O que achou da repercussão do livro?
Moro é uma pessoa muito discreta. E ele mesmo fala que tem muita coisa, que é palavra contra palavra. Ele jamais traria isso à tona se não fosse verdade. Entendo que ficou evidente a interferência na PF pelos próprios fatos. Porque houve trocas na PF sem a anuência do ministro da Justiça. Isso é notório. Não precisa ele denunciar. O livro traz uma verdade que só pode ser dita por quem estava lá. Pelo que ouço em conversas com ex-ministros, e pessoas que ainda estão no governo, é que existe uma atitude extremamente autoritária por parte do presidente e que condiz com tudo o que está escrito no livro.

Quem deve ser o maior rival de Moro em 2022: Lula ou Bolsonaro?
O maior rival de Moro é Lula. Boa parte dos votos de Bolsonaro é anti-Lula. Quando você entende que o rival é Lula, os votos migram automaticamente. Porque é um eleitor que esteve com Bolsonaro por ser anti-Lula, mas que viu as movimentações, as próprias medidas tomadas por Bolsonaro durante no mandato, como o fato incontestável de que o presidente acabou com a Lava Jato.

Qual sua opinião sobre a filiação de Bolsonaro no PL?
Bolsonaro sempre foi do Centrão. Ele vendeu uma narrativa para ganhar a eleição. Mas isso nunca fugiu da essência dele, a prática de rachadinha, que ele fazia enquanto era deputado. Todo esse enredo já era esperado.

O que achou de Flavio Bolsonaro ter chamado Moro de traidor?
Isso revela medo. Moro não traiu os princípios dele. E o Flávio Bolsonaro sabe disso. Quem traiu foi Bolsonaro, que prometeu a Moro total autonomia no combate à corrupção, prometeu que não iria interferir na Polícia Federal, e todo mundo viu naquela reunião de abril de 2020 o que estava acontecendo no governo. Está claro que foi Bolsonaro quem traiu Moro.

O ex-juiz tem recebido apoio de muitos aliados de Bolsonaro que são suspeitos de malfeitos. Isso afeta a pré-campanha de Moro?
É que você tem também muitos brasileiros que acreditaram no presidente, se desapontaram com Bolsonaro e, hoje, estão confiando em Moro e lhe dando esse percentual de até dois dígitos nas pesquisas. Muitas pessoas acreditaram que Bolsonaro fosse mudar o sistema, mas se decepcionaram com o presidente. E aí é normal que elas busquem um novo caminho. Você vai fazer o quê? Vai desistir? Não. Vai continuar lutando, vai procurar pessoas que tenham condições de restabelecer as esperanças que a gente vem perdendo. Não podemos nos abater com as decepções contínuas que o atual presidente nos proporciona.

As pesquisas apontam que Bolsonaro e Lula são favoritos. Caso Moro não vá para o segundo turno, quem o Podemos apoiaria?
Nós estamos muito distantes das eleições. É muito cedo para tirar conclusões. Os candidatos estão fazendo campanha permanente e todos estão apresentando grande rejeição. Moro está começando agora. Eu acredito firmemente que ele estará no segundo turno. Não posso trabalhar com outra hipótese que não seja essa.

O que a senhora acha de Bolsonaro ter dito que só participará de debates que não abordem temas relacionados à sua família?
Tem que manter o nível do respeito e da verdade, só isso. O debate é justamente o momento em que se deve abordar todos os temas. Não pode ter um tema proibido, só porque isso afeta a estabilidade emocional de Bolsonaro. Nada pode ser pessoal. Tem que respeitar a família do presidente, claro, como temos que respeitar as famílias de todos os candidatos. Mas fatos que envolvam peculiaridades que comprometam o seu governo precisam ser questionados. Eu só vou participar de debate onde vão fazer perguntas boas para mim? É a mesma coisa que dizer: eu só vou aos debates se não forem fazer perguntas capciosas. Então não é um debate. Bolsonaro é mimado. Tudo tem que ser do jeito dele. Se todo mundo que for a um debate quiser impor a sua pauta ou definir o que se pode ou não falar, isso não é o debate. Não é é saudável. Questões que geram dúvidas precisam ser abordadas. Não pode ser uma condição. Isso é um erro.