Bruna Narcizo Ruivo, com barba e tatuagens, vestido de doma, a roupa usada pelos chefs, e um tênis verde, Alex Atala chamava mais a atenção do que a feira-livre que fecha a Rua Barão de Capanema, endereço dos seus dois restaurantes em São Paulo. Entre gritos de promoção de frutas e verduras na hora da chepa, o chef recebia, na quinta 3, os cumprimentos porque seu restaurante, o D.O.M., chegou à quarta posição entre os 50 melhores restaurantes do mundo, na lista da revista britânica Restaurant, divulgada na segunda-feira 30 de abril. Atala diz que pensar que o mérito é todo dele é prejudicial à gastronomia brasileira. ?O Alex não é bom, o produto é que é sensacional?, afirma o ex-punk que tinha deixado de fazer tatuagens por causa do trabalho, mas voltou há poucos anos. A última, uma espinha de peixe próxima ao punho direito, foi feita junto com o filho mais velho, Pedro de 18 anos. Pai também dos gêmeos Thomas e Joana, de 10 anos, Atala é o maior nome da gastronomia nacional e se recusa a vestir o uniforme de estrela. Diz que cozinha não é lugar para quem quer ser famoso e assume os erros com o Dalva e Dito, seu segundo restaurante que, quando aberto em 2009, exatamente dez anos após o D.O.M., foi duramente criticado. E defende uma gastronomia nacional: ?Precisava ter mais de um brasileiro na lista.? Você é o primeiro chef das Américas a ficar entre os cinco primeiros na lista. Ser o primeiro a fazer qualquer coisa não é tarefa fácil. Qual a maior dificuldade que enfrentou nesses anos? Sou um cara obstinado e teimoso. E não paro de bater na mesma tecla: gastronomia brasileira. Se você assistir ao vídeo da premiação. O cara fala: ?Este é o cara que tem a missão de falar sobre o Brasil?. É triste ouvir isso. É uma alegria por um lado, mas puxa não sou eu que tinha que divulgar o Brasil. Porque tinha que ter mais de um brasileiro na lista. Porque nós somos o país com maior potencial no mundo para fazer isso. Porque nós temos jovens chefs para isso. A mídia gastronômica do mundo está esperando isso. E até agora não fizemos quase nada. O maior inimigo da cozinha brasileira posso ser eu. Vão dizer: ?O Alex é que era bom, o produto não é tão sensacional?. O Alex não é bom, o produto é que é sensacional. As pessoas precisam entender isso, e eu não estou me diminuindo. Vivemos um momento, nos últimos seis anos, de glamorização da profissão. É melhor do que era antigamente quando era considerado subemprego. Quando eu comecei a cozinhar escutei de várias pessoas que era coisa de veado ou analfabeto. Mas essa glamorização não gera uma falsa expectativa para futuros profissionais? Quem optou por essa profissão para ficar famoso se ferrou, e merece se ferrar. A maioria chega e, em um ou dois dias na cozinha, depois que veem que não ficar do lado do chef, desiste. Tem pai que já me ligou e disse: ?A minha filha nasceu em berço de ouro?. Então não manda para a cozinha. Porque cozinha é lugar de empregado, não de berço de ouro. ?Ah, pô. Você foi mal-educado com o meu filho?. O moleque joga o rodo no chão e você quer que eu seja educado? Ele precisa aprender que se não souber limpar e manter a higiene da cozinha que ele trabalha, a que ele vai ser chef, ele também não vai saber manter. Já lavou muito chão de cozinha? Lavo até hoje. Faço amarradão. É da minha profissão. Em gastronomia temos aquela relação afetiva, da boa lembrança da comida da avó. Considera a comida da sua avó ainda melhor do que a sua? A gente tem que tentar separar o que é afetividade de degustação. Eu tenho uma memória de infância de um bolo de fubá que uma tia minha fazia. Lembro de quanta emoção eu tinha ao comer aquele bolo. Um tempo atrás, fazia anos que eu não comia o bolo, pedi para ela fazer. Ela fez e não é tão gostoso assim. O bolo de fubá não ficou pior, foi o meu paladar que evoluiu. Mas até hoje quando eu como algo que me emociona, eu falo: ?É tão bom quanto o bolo de fubá da minha tia?. Não quer dizer que seja melhor ou pior, mas tem a ver com a emoção que despertou. Continua se tatuando depois que virou chef? Antes de ser chef já era tatuado, mas fiquei 15 anos sem fazer tatuagem por conta do meu trabalho. Voltei a fazer tatuagem há alguns anos e a última que eu fiz meu filho pediu para fazer comigo. Ele escolheu o desenho e o lugar no corpo. Tá certo que ele escolheu esse lugar porque os outros já estavam ocupados (risos). Como se dividir entre dois restaurantes, viagens pelo mundo, um casamento e três filhos? Tenho a síndrome do pai ausente porque eu tenho um filho de 18 anos que eu nem vi crescer e dois filhos de 10 anos que reclamam da minha companhia. Lógico que eu queria estar mais tempo com eles. Quantas vezes no meio da tarde eu sei que eles estão em casa, ou a minha filha me pede para eu ir buscá-la na escola e eu tenho que dizer: ?Papai não pode?. Dói, lógico que dói. Seus filhos (Pedro de 18 anos e os gêmeos Joana e Thomaz de 10 anos) deve ter um paladar exigente. Mas comem Mc Donald?s e todas as porcarias do mundo. Fiz papinhas, claro, mas não todas. Não tem que ter neurose. A formação do paladar também passa pelas coisas ruins. Tenho a sorte de hoje em dia eles preferirem comer um sushi a um junk food. Mas como você incutiu isso neles? Teve momentos em que eles estavam amando ir ao Mc Donald?s. Nunca foi proibido e eu vou lá e como também. Mas tava claro que eles estavam ali não pela comida, mas porque eles iam ganhar um presente. Então encontrei a seguinte solução: vamos comer e prestar atenção no quanto é legal esse brinquedo. Agora, vamos comer outra coisa e depois a gente passa numa loja de brinquedos e vocês escolhem o brinquedo que querem na, mesma faixa de preço. Funcionou. Qual comida eles mais gostam que você faça? Cada filho tem um gosto. O Pedro, que é o mais velho, gosta de um ovo mexido, que eu vou batendo devagarzinho e fica cremoso. Desde criancinha ele me pede para fazer o ovinho dele. A Joana gosta de churrasco. O Tomás é o mais atrevido dos três. Ele gosta de cabeça de peixe. Ele fala: ?Pai, faz um peixe na grelha que eu quero a cabeça?. Dalva e Dito quase faliu depois de receber muitas críticas da imprensa. Eu quase fali. O Dalva e Dito já estava falido. Quem quase faliu foi eu. Acha que as pessoas criaram muita expectativa? Não. Acho que nós erramos muito. Vou reputar todas as bobagens do Dalva e Dito a minha pessoa e vou reputar todo o sucesso a mim e a minha equipe. No dia que eles tiveram um bom comando, fizeram as coisas direito. Quando eu deixei a cozinha na mão de um cara ruim, foi ruim. Agora, a pessoa ruim a culpa é minha. As pessoas vão ao D.O.M. querem ver você na cozinha. Como lida com isso? Quando eu vou a um restaurante de outro chef e ele não está, eu também fico frustrado. Eu entendo super isso. Siga Gente no Twitter!