Há um pacto entre homens quando casos de abusos vêm à tona – principalmente se o abusador faz parte de seu convívio social. Basta uma única denúncia para que eles se juntem para defender o indefensável. Para resumir o que acaba de ser dito, peço licença para Zélia Duncan e transcrevo, aqui, suas palavras: “Todas as mulheres que eu conheço sofreram assédio em algum nível. Nenhum homem que eu conheço têm amigos assediadores. Não lhes parece misterioso?”

Não só parece, como é. A questão, pura e simples como matemática, é que para uma sociedade machista o machismo não está ao lado – sempre existirá, claro, mas no outro, no desconhecido. O que acontece é que, quando o homem que assedia frequenta a sua roda de amizades, dizem ter sido somente um deslize – ou talvez a sociedade esteja mesmo doente (contém ironia).

Desse recurso valeu-se Wesley Safadão depois de um vídeo no qual seu amigo, o pastor André Vitor, veio à público. Na gravação, o pastor alisa o corpo de uma criança e puxa sua camisa para além da cintura, mesmo depois dela tentar se afastar dele.

As imagens estão ali. Gravadas e divulgadas. Mas Wesley preferiu usar o discurso de que o seu amigo jamais teria esse tipo de atitude. Aí está o erro, já que em uma sociedade na qual mulheres ainda são vistas como objetos, os opressores estão do nosso lado. Amigos, namorados, parentes. Eles estão, de fato, em todas as partes.

Afinal, uma em cada quatro mulheres já passou por algum episódio de violência – seja física, psicológica ou moral. Não adianta mais, nós, mulheres, gritarmos sozinhas se você, homem, segue preferindo manter amizades de outros homens que são opressores de gênero a se posicionar e criticar todo e qualquer tipo de violência contra a mulher (seja de um ator famoso ou de seu melhor amigo).

Aproveito a oportunidade para lembrar-lhes da austríaca Natascha Kampusch. Ela foi sequestrada com 10 anos e conseguiu fugir somente depois de completar 18 anos. Quando já estava em liberdade, viu uma sociedade reforçando a imagem do monstro sequestrador que, no caso, era Wolfgang Priklopil.

Natascha incomodou-se à época e, depois de anos, escreveu no livro “3096 dias” a seguinte conclusão: “Nossa sociedade precisa de criminosos como Wolfgang Priklopil para dar um rosto ao mal e afastá-lo dela mesma. É preciso ver imagens desses porões para que não se vejam os muitos lares em que a violência ergue sua face burguesa e conformista. A sociedade usa as vítimas desses casos sensacionalistas, como o meu, para se despir da responsabilidade pelas muitas vítimas sem nomes dos crimes praticados diariamente, vítimas que não recebem ajuda — mesmo quando pedem”.

O mal, por assim dizer, está, sim, ao nosso lado. E enquanto convivermos normalmente com ele, acreditando que amigos, colegas e parentes jamais o cometeram, seguiremos, infelizmente, com dados crescentes de violência de gênero. Os jornais seguirão noticiando casos de mulheres assediadas sexualmente e psicologicamente, além da violência física.

E aqui digo àqueles que escolhem vendar os olhos para a realidade: contra fatos não há argumentos. Não há injustiça quando não há injustiçado e, sim, um machismo explícito.