A nova fábula inventada pelo governo é a de que ele agora roga pela pacificação. Quer a paz, o armistício, o entendimento. Com o Congresso, o Supremo, os indigenistas, médicos, professores, quem aparecer pela frente. Deixou de lado o tom beligerante, a arrogância voluptuosa do “eu que mando”. A versão mal acochambrada do “Jairzinho paz e amor” — tal qual a embalagem marqueteira do demiurgo do agreste “lulinha…”, deixa prá lá, criminoso já encarcerado no passado — tem intento e razões de ser. O mandatário de quatro costados, seguro de si por se julgar sustentado pela caserna e pelas ruas, perdeu o chão. Não se vê mais como aquela cocada toda. Dos militares ouviu que seria bom (impositivo até) baixar o tom. Da plateia de eleitores soube, espantado, não existir qualquer apoio a aventuras ditatoriais nessas paragens. Em pesquisa que calou seus arroubos, 75% dos entrevistados disseram-se a favor da democracia, 52% não gostam nada da presença fardada no poder político e a maioria absoluta abomina ímpetos golpistas. Acabou o assunto. E com ele os sonhos totalitários de um capitão reformado. Mas tem mais: Bolsonaro no Planalto, filhos, apaniguados, militantes, aliados, paus mandados e operadores estão, por várias frentes, acuados. O presidente em pessoa enfrenta ao menos duas investigações no Supremo. Os rebentos Flávio e Carlos, idem, na Justiça Federal do Rio. Amigos de longa data, presos ou sob suspeita. Financiadores de esquemas de fake news no “gabinete do ódio”, parlamentares engalanados que participaram das “rachadinhas”, a tropa de ministros ideológicos que aprontam e atrapalham, gerando prejuízos sonoros, a cumbuca inteira dos seguidores, passaram da condição de pedra à vidraça. Bolsonaro virou bonzinho, baixou a bola, porque está amargando consecutivas derrotas e, mais grave, sob sério risco de perder o cargo e a glória antes do tempo. Emite sinais de conciliação para remendar os estragos. E olha que não foram poucos. Na comunidade internacional, Bolsonaro encontra no momento o ambiente mais adverso possível. Com riscos de perder até o maior aliado. Donald Trump, o ídolo indomável, a referência para tantas diabruras, que pode em alguns meses não estar mais lá na cadeira de homem mais poderoso da Terra. Corre séria ameaça de fracassar nas eleições por falhas, digamos, decibéis abaixo das praticadas pelo líder bananeiro da parte de cá das Américas. O mundo, no último final de semana, recebeu manifestações em dezenas de países e continentes com os dizeres “Stop Bolsonaro”. Há uma revolta generalizada em especial com o seu descaso pelas queimadas e desmatamentos, que sangram a Amazônia. Ninguém deseja ou aguenta mais tamanha destruição e vai punir o Brasil, talvez como cúmplice, pelo disparate do seu chefe de Estado.Um grupo de 29 instituições financeiras, entre as maiores do planeta, responsáveis por nada menos que US$ 3,7 trilhões em recursos (ou o dobro do PIB nacional) emitiram uma carta ameaçando claramente retirar seus investimentos daqui caso o País siga subindo seus índices de afrontas ambientais. Já se sabe, o tema caiu para o último lugar na hierarquia de atenções do “mito”. Mas ele quer se redimir, tomar prumo. É o que alega. Na verdade, Bolsonaro está por alguns dias comportado, mas não se emenda. Nem acalente esperanças! Não é da natureza dele. Quem age, coloca panos quentes e se mexe no meio de campo é a entourage dos ministros e assessores conscientes. Bolsonaro fez o que era possível e estava ao alcance do seu limite: saiu de campo. Algumas semanas sem Jair e com o “Jairzinho Paz e Amor” atuando foram, no mínimo, pedagógicas. Uma ausência que preencheu uma lacuna. Sem o tom histriônico e desagregador do capitão, o País pôde finalmente cuidar do que interessa. O lobo ficou na toca e movimentações producentes, como a da negociação do czar Paulo Guedes com deputados para evoluir na pauta econômica, conseguiram ganhar prioridade. Sem o presidente irascível o País evoluiu melhor. Quem diria! A ausência bem vinda. No coração do poder reina, momentaneamente, um comandante manietado, tutelado pelas forças militares, tolhido pelo descrédito junto aos demais poderes, ignorado por tantos disparates e imprudência. Não o imagine como vítima. Jamais! Está sim na posição de réu por malfeitos em série. Alguém em quem não se pode confiar. Não apenas pelas mentiras que professa, mas pelos atos indomáveis e inconsequentes que executa. O lobo ainda está ali, mas vestiu, por conveniência, a pele de Jairzinho.


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