Depois de idas e vindas, a nota de 200, a sétima do Real, já está em circulação. Ao longo do ano, serão impressas 450 milhões delas. Até chegar às nossas mãos e bolsos, a super cédula percorreu um caminho pontilhado de barreiras, tal como os atletas de corrida com obstáculos. O cenário adverso, marcado pela baixa inflação e processo acentuado de digitalização, é inimigo da emissão de cédulas de expressivo valor. Acresce-se o fato de que notas de maior valor são aliadas de primeira hora da corrupção porque geram volume menor de dinheiro em espécie, facilitam a ocultação de recursos e dificultam seu rastreamento. Esse foi um dos principais motivos que levaram vários países a interromper a impressão de cédulas de alto valor.

No entanto, para o Banco Central do Brasil, a impressão da cédula de 200 reais é motivada por circunstâncias incontornáveis, já que a pandemia estimulou uma demanda maior por papel-moeda em virtude de saques maiores para a formação de reservas e o pagamento em espécie aos beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600, prática conhecida tecnicamente como entesouramento na economia. De acordo com essa lógica, a nota de 200 reais possibilitará saques de valores maiores com a emissão de menos papel. Os dados do IBGE dão substrato a essa justificativa: segundo o Instituto, o Brasil tinha em 2019 uma média de 45 milhões de pessoas desbancarizadas.

Mas, vejamos. Não são apenas a corrupção, o entesouramento, a baixa inflação que mantêm os holofotes direcionados para a nota de 200 reais. A mim me parece que a estampa, na cédula, do lobo-guará impõe-se como metáfora sombria do nosso momento político. Não pelo animal em si, já que ao contrário dos outros lobos reais e imaginários, o nosso lobo-guará é manso, inofensivo ao homem. O aspecto sombrio advém daquilo que a metáfora descortina duplamente: de um lado, a sentinela dos lobos do mercado que não dormem à espreita do Estado brasileiro, de outro, a inépcia da institucionalidade em estabelecer políticas que impeçam a extinção dos animais da nossa floresta. Não quero com isso desmerecer a iniciativa, fruto do voto popular. Deve-se lembrar que não é a primeira vez que o lobo-guará é exibido em nosso dinheiro (entre dezembro de 1993 e setembro de 1994, estampou a moeda de 100,00 cruzeiros reais). Todavia, considerando que as imagens impressas nas cédulas são sempre carregadas de simbolismos que espelham a moldura política de um país, a figuração do lobo-guará na nota de R$ 200 não deixa de evocar a sentença de Thomas Hobbes, “o homem é o lobo do homem”, numa atmosfera tão marcada pelo medo e pelo apetite de um capitalismo sem peias.

A cédula de R$ 200 impõe-se como metáfora sombria do nosso momento político