Ao escolher o novo procurador-geral, Augusto Aras, o presidente Jair Bolsonaro foi coerente com sua estratégia de ocupar as instituições com nomes alinhados ao governo. Essa “mão pesada” tem causado atritos, além de revelar um aparelhamento preocupante para os órgãos de controle. Porém, não tem impedido a trajetória presidencial. Dessa vez, a resistência foi maior e mais barulhenta. A Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) criticou a indicação como um “retrocesso institucional”. Protestou porque organiza desde 2003 eleições entre seus membros para formar uma lista tríplice de candidatos a serem submetidos ao presidente da República – que tem a prerrogativa constitucional de escolher o procurador-geral. Seria um dos instrumentos básicos para fortalecer a independência do MPF. Bolsonaro não seguiu a lista, e Aras nem participou do processo de escolha.

A reação foi a convocação de um “dia nacional de mobilização pela independência do Ministério Público” na última segunda-feira 9. Os procuradores fizeram protestos em Sergipe, Rondônia, Amazonas, Rio Grande do Sul, Tocantins, Pernambuco, Minas Gerais e no Amapá. Em Brasília, participaram representantes do topo da carreira, como os subprocuradores Mário Bonsaglia e Luiza Frischeisen (primeiro e segundo colocados, respectivamente, na lista tríplice deste ano). “A Constituição prevê um Ministério Público independente, autônomo, e não a serviço do Poder Executivo. Preocupa essa visão de que o PGR precisaria ter um programa alinhado ao governo”, declarou Bonsaglia. No Rio de Janeiro, a manifestação contou com dezenas de membros do MPF, inclusive sete que compõem a força-tarefa da Lava-Jato. Blal Dalloul, terceiro mais votado para a lista tríplice, declarou que a classe não deixará que a PGR se torne “um balcão de negócios”. Além disso, ocorreram duas baixas na instituição. Renunciaram ao cargo os procuradores escolhidos para comandar o MPF em Sergipe: Ramiro Rockenbach, que seria o procurador-chefe no estado, e Flávio Pereira da Costa Matias, seu substituto. Rockenbach disse que Aras “não tem legitimidade para comandar o MPF”. Eles assumiriam em outubro.

A escolha de Aras também foi criticada por parlamentares do PSL, que o classificaram como “esquerdista” e enviaram dossiês ao Planalto. Eles denunciaram sua proximidade com o PT. Aras já declarou que as críticas do MPF partem de um grupo de “jovens procuradores corporativistas”. Para tentar evitar resistências, sinalizou que pode manter membros da atual direção da instituição. Após a indicação, passou a percorrer gabinetes de senadores para buscar apoio à sabatina que deve enfrentar no próximo dia 25, no Senado. É que fez na última quarta-feira, entre senadores do PT. Também jantou com a bancada do PP na casa do senador Ciro Nogueira (PP), um dos parlamentares mais envolvidos na Lava-Jato.

Sabatina

Antes mesmo de ser sabatinado, Aras já mostrou que está alinhado com Bolsonaro. Sondou para integrar sua equipe o procurador Ailton Benedito, que é alinhado politicamente com o presidente. Benedito havia sido indicado para integrar a Comissão de Mortos e Desaparecidos, mas teve seu nome vetado pelo Conselho Superior do MPF. Aras também se comprometeu com uma série de “valores cristãos” previstos em carta da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure). Além disso, afirmou ser contra a criminalização da homofobia e criticou a “ideologia de gênero”. O destino da Lava-Jato é uma das preocupações com a indicação do novo PGR. Em público, Aras defendeu a operação, mas criticou em conversas privadas “atitudes personalistas” e “excessos” de membros da força-tarefa, além da atitude “punitivista”. Os senadores do PT apoiaram. Espera-se que ele ajude na pautas do Executivo, como a facilitação dos processos de privatização. Mas um dos piores cenários seria agir para dificultar no MPF as investigações contra corruptos, governistas ou não — o que seria, sim, um grande retrocesso.

 

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