Na reta final do pleito, a eleição em Tocantins, já permeada de um caráter extraordinário, ganhou outros contornos bem peculiares. O governador em exercício do Estado, Mauro Carlesse (PHS), em disputa pelo segundo turno contra o senador Vicentinho Alves (PR), corre até o risco de não tomar posse no próximo dia 9 de julho, caso eleito. Carlesse é acusado pela Justiça Eleitoral de usar a máquina do governo, ao se valer na campanha de servidores da TV e rádio estatal, além de cooptar prefeitos com uso de recursos públicos. Para comprovar os indícios de crime eleitoral, há duas semanas, a PF promoveu uma devassa no Palácio Araguaia, sede do governo estadual, e recolheu documentos comprometedores. Mas as encrencas do governador vão muito além das esferas eleitorais. Atualmente, Carlesse responde a 73 processos criminais e cíveis. A ação judicial que mais lhe rendeu dor de cabeça tem origem doméstica. Foi movida por sua ex-mulher Rosangela Catarina Kiriliuk Carlesse na Vara de Família de Barueri (SP), em agosto de 2015.

Os bens ocultados

Casada por 28 anos com o governador, Rosangela demonstra no processo litigioso que Carlesse é dono de uma fortuna superior a R$ 100 milhões, embora declare à Receita Federal R$ 2,9 milhões. Para tentar ludibriar as autoridades, Carlesse coloca tudo em nome de laranjas, segundo Rosangela. Entre os bens ocultados estão 14 fazendas, com 2.700 cabeças de gado, oito imóveis urbanos, 14 empresas, um jatinho King Air e inúmeros automóveis de luxo, como uma Ferrari, um Jaguar, um Camaro, uma Pajero e uma Land Rover. Entre os laranjas, figura, de acordo com a ex-mulher, o sobrinho Claudinei Aparecido Quaresmin, seu secretário de Governo. Se a Receita quiser complicar a vida de Carlesse pode até utilizar o desenrolar da ação de separação como prova. É que, no processo, ele firmou um acordo com a ex-mulher pelo qual se comprometeu a repassar a ela R$ 30 milhões em imóveis. Ou seja, o governador interino jamais poderia declarar R$ 2,9 milhões em posses.

PIVÔS A ex-mulher Rosangela (acima) expôs os bens de Carlesse, depois que ele a abandonou para casar com Fernanda (ao lado) (Crédito:Divulgação)

Carlesse chegou em Tocantins por volta de 2006 para escapar de processos que respondia na região de Barueri e Osasco, na Grande São Paulo, onde operava na venda de solventes misturados à gasolina, por meio de empresas como a Carlesse Tintas e Vernizes e a Elffi Química Ltda, hoje em nome do laranja Jefferson Luiz Pastrello. Acumulou riqueza com o negócio, mas por estar no radar da polícia paulista precisou mudar de estado. Até o número do CPF foi alterado. Ao desembarcar em Tocantins, investiu em fazendas, 14 delas hoje em nome de testas de ferro. Embora tenha 2.700 cabeças de gado, Carlesse não declara ser dono de um único boi sequer. A maioria das propriedades rurais está em nome da empresa Maximu’s Participações S/A, da qual é diretor-presidente, mas entre os sócios há laranjas que aparecem em outras empresas e negócios do governador.
Não é tudo, porém, que Carlesse gosta de manter sob o manto do sigilo. Há situações que o atual governador em exercício de Tocantins prefere mesmo é ostentar. Por exemplo, a Ferrari com a qual circula pelas ruas do Estado ao lado da atual mulher Fernanda Mendonça, uma jovem com a idade de suas duas filhas.

Preso por 26 dias

Na ação na 2ª Vara da Família de Barueri, Rosangela Carlesse enumera uma por uma as fazendas do governador, com o número de matrículas nos cartórios de registro de imóveis, localização e valores. As 14 empresas em seu nome e de laranjas encontram-se devidamente identificadas, com endereços e CNPJs. Conforme apurou ISTOÉ, Mauro Carlesse só celebrou o acordo de R$ 30 milhões com a ex-mulher depois de ter atrasado pagamentos de R$ 46 mil mensais da pensão alimentícia. O atraso lhe rendeu um grande dissabor: ficou preso em Palmas por 26 dias no início de 2015, quando já era deputado estadual por Tocantins. Entre os bens que o candidato acabou obrigado a deixar para a ex-esposa estão uma fazenda de 900 mil hectares em Aliança do Tocantins e quatro valiosos imóveis em São Paulo, incluindo um terreno no luxuoso bairro de Alphaville e um apartamento em Perdizes. Na ação, Rosangela diz que Mauro se recusava a todo custo a dividir o patrimônio, embora fossem casados em comunhão de bens por quase três décadas. “É absurdo que uma pessoa com patrimônio do tamanho da requerente seja obrigada a passar dificuldades financeiras e humilhações por mera vaidade do requerido, que injustificadamente se recusa a entregar a parte dos bens que cabe à esposa”, reclama o advogado de Rosângela, Marco Fabio Rodrigues de Mendonça Evanchuca. Ela teve até um telefone cortado por não ter como pagar R$ 120. Parece enredo de novela, e é. Mas uma novela da vida real e, provavelmente, sem final feliz.

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