Quando Odilon começou a namorar a Ticiana, os amigos não gostaram. É que para a turma do futebol, da padaria, do boteco e do poker, o Odilon era uma espécie de decano do STF, sabe como é? Um nome de respeito, solteirão convicto, do alto de seus 45 anos, era um sujeito boa praça, desses que a gente pode contar em qualquer situação:
– Amigo não é o que separa a briga. Amigo é o que entra dando voadora. É o que sempre falava depois de ajudar algum dos parceiros em alguma dificuldade.

Foi ele, inclusive, quem organizou o bate-bola de quinta, pesquisou os melhores preços, alugou a quadra, pagava primeiro e fazia o rateio depois, o Poker era na casa dele, toda segunda, cerveja incluída. E na terça todo mundo esperava ele mandar a planilha com a classificação do campeonato. Todos tinham namorada e com o tempo, elas mesmas formaram um grupo. Saíam juntas nos dias em que os namorados estavam ocupados. Enfim, era um ecossistema equilibrado, a turma do Odilon, até que apareceu a Ticiana.

Bonitona ela. Mas não era, vamos dizer, festiva como as outras, sair com as meninas, por exemplo, nem pensar. O primeiro sinal que a coisa ia complicar foi quando foi assistir ao futebol, Ticiana não vibrou nem quando o Odilon fez gol. Por alguns meses os amigos não ligaram, só um ou outro comentário quando o Odilon não estava perto:

– Caceta, essa mulher comeu limão? Tá sempre emburrada, perguntou o Robson.

– Deixa ela, pô. O Odilon tá feliz, isso que importa, cortou a Nice, namorada do Foca.

O tempo foi passando e o Odilon foi ficando apaixonado e, aos poucos, começou a mudar também. Parou de ir na padaria para o café da manhã da turma, às quartas.

– A Tici gosta de tomar café na cama…

Eles não sabiam que o Rubens revirou os olhos, e não ficou só nisso. O Odilon começou a faltar no futebol e vira e mexe não rolava poker, o que atrapalhava muito o campeonato. Foi a Maíra, namorada do Pimentel, que deu o apelido, numa quinta-feira que o Odilon faltou no futebol:

– Cadê o Odilon? Perguntou a Nice.

– ‘Divinha. Tá com a Yoko. Pegou? Ticiana virou a Yoko e Odilon o John Lennon. Raramente aparecia nos encontros. Sumiu mesmo. Alguém disse que os dois estavam morando juntos, no apartamento do Odilon.

– Ah. Tá explicado porque o poker acabou.

– Eu acho bonitinho. Amor é isso, gente. Vocês é que são esquisitos, disse a Nice, romântica, sempre tentando apaziguar.

Quando chegou o coronavírus, a turma já tinha dispersado. Só se encontravam em aniversários, mas Odilon nem isso. Começou o negócio da distância social e se trancaram em suas casas, uns sozinhos, outros na companhia das namoradas, o grupo de whatsapp que antigamente bombava, agora estava em silêncio. Aos poucos, cada um foi mergulhando no seu próprio isolamento. Até que um dia, quando acordaram, deram de cara com uma mensagem
do Odilon.

Odilon 9:52: “E aí galerinha! Firmeza?

Foca 9:58: “Fala sumido! Quem é vivo…”

Robson 10:02: “Que surpresa! O que conta Odilon?”

Odilon 10:11: “Nada…só tô de saco cheio de ficar em casa sozinho…”

Silêncio. Nice perguntou: “cadê a Yoko?”, mas conseguiu apagar para todos antes que ele lesse.

Os dois terminaram, depois de semanas trancado com a Ticiana, Odilon não aguentou mais o mau humor
da mulher, ele explicou cheio de dedos, para não ser grosseiro. Ninguém comentou nada, uns até lamentaram, falsos. A noite, antes de dormir, a Nice saiu do banheiro de camiseta e calcinha, antes de entrar na cama, refletiu:

– Amor, pensando bem, isso de não sair de casa até que é gostoso, né?

Foca revirou os olhos, mas ela não viu, e dormiram de conchinha.

A mais profunda amizade não sobrevive a um grande amor, e nem ao coronavírus