Valdemar Costa Neto camufla-se conforme a conveniência política desde a redemocratização. Um dos principais expoentes do Centrão, o ex-deputado jamais hesitou em mudar de time e trocar de camisa para acomodar o PL no poder. A história comprova. O partido compôs a base de Lula entre 2003 e 2010, e Valdemar, de tão influente, protagonizou o Mensalão. Mesmo após a explosão do escândalo, a sigla manteve-se próxima do PT e integrou a coligação que elegeu Dilma Rousseff duas vezes — a aliança, claro, sobreviveu somente até pouco antes do impeachment, quando a legenda pulou do barco à deriva e passou a dar sustentação à gestão Michel Temer. Em 2018, Valdemar marchou ao lado de Geraldo Alckmin, mas, depois da vitória de Jair Bolsonaro, logo se alinhou ao Palácio do Planalto e, três anos depois, topou dar guarida aos discursos extremistas da horda do capitão para filiá-lo. Não à toa, paira um questionamento no meio político: por quanto tempo Valdemar permanecerá no traje de oposição a Lula, vestido na última terça-feira?

Para deputados da velha guarda do partido, a resposta depende de um cálculo político que será constantemente atualizado com base em algumas variantes. É que, avesso às câmeras, Valdemar não convocou a imprensa a um dos auditórios do Centro de Convenções Brasil 21, em Brasília, para se contrapor a Lula e Alckmin e jogar sob os holofotes o convite a Bolsonaro para ocupar a Presidência de Honra do PL por mera fidelidade política. O ex-deputado o fez porque os 58 milhões de votos recebidos pelo capitão no segundo turno o cacifam como um importante cabo eleitoral para prefeitos em 2024 e sinalizam que, por ora, ele é o único candidato competitivo o suficiente para a disputa presidencial de 2026.

A partida, porém, pode facilmente mudar de rumo. O poder de liderança de Bolsonaro sem a máquina pública ou os meios para ditar a agenda nacional, por exemplo, ainda precisa ser aferido (afinal, agora, ele vai jogar como um ex-presidente altamente rejeitado, e não um deputado antiestablishment e desbocado). Além disso, de volta ao Palácio do Planalto, Lula tem a faca e o queijo na mão para dissipar o antipetismo: basta conduzir uma gestão com bons reflexos no bolso do eleitorado. Em outra ponta, lideranças da direita moderada, como Romeu Zema e Tarcísio de Freitas, podem ganhar tração com o tempo — aliás, parte dos aliados de Bolsonaro defende desde já que, em vez de correr pelo Planalto daqui a quatro anos, ele apoie um pupilo.

Velha raposa da política, Valdemar vai acompanhar as movimentações com lupa e, embora tenha decidido proibir, por ora, correligionários de assumirem cargos na futura gestão, não pretende inviabilizar um canal de diálogo com o governo Lula — as conversas, inclusive, devem ocorrer via Geraldo Alckmin, com quem ele nutre boa relação. A coletiva em que o chefão do PL anunciou oposição foi tão somente um capricho de bolsonaristas incomodados com notícias que apontavam a possibilidade de aproximação entre ele e o petista. Por isso, inclusive, a carga ideológica no discurso. “O PL não renunciará às suas bandeiras e ideias. Será oposição aos valores comunistas e socialistas, oposição ao futuro presidente”, disse.

Para membros fisiológicos do partido, apesar do falatório, na prática, o PL tende a rachar e atuar como uma sigla “independente”. Os congressistas da velha guarda votarão com Lula em projetos econômicos e sociais e apostam que o petista não submeterá ao plenário temas espinhosos enquanto tenta arrefecer a polarização do País. Não haverá, portanto, pontos de divergência latentes — o PT já sinalizou que não entrará numa bola dividida sequer na disputa pela Presidência da Câmara, deixando livre o caminho de Arthur Lira, benquisto entre os liberais.

Os mesmos parlamentares frisam, ainda, que apenas a ala mais radical do partido acabará ocupando a tribuna para destilar discursos ácidos. Em grupos de WhatsApp, os adeptos do “bolsonarismo raíz” defendem a expulsão de quem se aliar a Lula. Giovani Cherini, por exemplo, propôs que o partido seja oposição “contra tudo (sic)”. A posição, no entanto, abriria margem para questionamentos judiciais. “Imagine só ser expulso do partido porque você votou a favor de um programa social, da abertura de um crédito. Não faz sentido”, pontua um deputado, sob reserva.

Dinheiro público

A ponderação é válida. Em conversa com a ISTOÉ, mesmo aliados do presidente encontraram dificuldades em apontar de que forma a oposição poderia se tornar “ferrenha”. “Atuei como oposição nos dois mandatos de Dilma e seguirei pelo mesmo caminho agora. Minha postura, pela experiência que tenho, é de oposição responsável, não aquela burra que joga contra o país, como o PT já fez”, pontua Domingos Sávio, que trocou o PSDB pelo PL nas últimas eleições e participou ativamente da campanha de Bolsonaro. “Na Economia, sigo os princípios liberais, mas sem deixar o social de lado. Do ponto de vista ambiental e cultural, estou na vanguarda, porque compreendo como impactam a vida das pessoas”, emenda o congressista, que ganhou o noticiário ao propor uma PEC para submeter decisões não unânimes do STF à Câmara.

Pelo andar da carruagem, Bolsonaro terá no PL mansão, escritório, staff jurídico e remuneração mensal bancados por dinheiro público do fundo partidário, mas não uma base coesa e uníssona a exemplo da que uniu em torno do orçamento secreto. Como legítimo integrante do Centrão, antes mesmo de chegar à oposição, o PL não dá sinais de que aguentará muito tempo à margem do poder.

As regalias de Bolsonaro
Depois que deixar a presidência, o capitão terá uma série de mordomias bancadas pelo PL para que ele seja o líder da oposição a Lula: até mansão em Brasília será paga pelo partido

Salário: O PL não anunciou o valor da remuneração mensal à
qual Bolsonaro terá direito a partir de janeiro de 2023. O manda-chuva do partido, Valdemar Costa Neto, tem um contracheque de R$ 24.834,46 à disposição do capitão

Advogados: Uma equipe de causídicos contratados pelo PL substituirá a Advocacia-Geral da União nos processos em que Bolsonaro é listado como investigado ou réu

Escritório: Para “liderar a oposição”, Bolsonaro terá um QG. O PL não informou se o escritório funcionará na sede nacional
do partido, localizada no Centro de Convenções Brasil 21, ou em outro endereço.

Mansão: Depois de deixar o Palácio da Alvorada, Bolsonaro e Michelle devem morar em uma mansão na capital federal custeada pelo PL. Valdemar não quer que os dois retornem ao Condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, onde residiam antes de o capitão vestir a faixa presidencial

Jatinho: Bolsonaro tende a percorrer o país em um jato fretado pelo partido. É consenso no PL que, embora o capitão tenha um grande apelo popular, ainda pode ser hostilizado, ameaçado ou agredido em voos comerciais por militantes da oposição, sobretudo em meio ao clima de polarização do país

Publicidade: Como presidente de honra do PL, Bolsonaro será figura carimbada nas inserções de propaganda partidária e nas redes sociais da legenda

Mordomias: Além disso, o capitão terá direito a oito funcionários da presidência da República e dois carros com o tanque cheio à disposição