Vitorioso com 25,7% dos votos nas eleições gerais para o Parlamento da Alemanha (Bundestag) o Partido Social-democrata (SPD) já iniciou as negociações para formar uma nova coalizão de governo. Porém, mesmo triunfando no pleito, não é garantido que a legenda retomará o poder no país. O processo pode demorar até dezembro, com Angela Merkel se mantendo como chanceler interina. Olaf Scholz, de 63 anos, líder do SPD que pode sucedê-la, terá que fazer concessões para atrair os Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP) — que viraram os protagonistas-chave para qualquer coalizão de governo. O SPD saiu mais forte e vive um quase renascimento na política alemã: conquistou 53 cadeiras e chegou a 206 no parlamento. Mesmo assim, está longe de formar uma maioria de governo sozinho, já que a próxima legislatura terá 735 cadeiras, 26 a mais que a atual, um número recorde. Isto acontece porque o voto na Alemanha é distrital e proporcional. Quando o eleitor vota, deposita dois sufrágios na urna: um é para o candidato a deputado distrital e outro é para o partido. Quanto mais pessoas votam — como aconteceu em 2021 — maior é a quantidade de deputados. O líder do partido mais votado tradicionalmente negocia a formação do novo governo, mas Armin Laschet, do conservador CDU (de Merkel), que perdeu por apenas 1,6 ponto percentual, também tentará uma composição. Isso faz parte do complexo jogo de forças do parlamentarismo alemão, que tem garantido a estabilidade do país por décadas.

LEGADO Merkel deixa o poder com um saldo positivo (Crédito:THOMAS KIENZLE)

Dos 60 milhões de eleitores, 76% votaram, uma participação maior que na eleição anterior, de 72%. O SPD precisará do apoio dos Verdes, que elegeram 118 deputados, quase dobrando a bancada; e também dos democrático-liberais, que fizeram 92 — 12 a mais do que em 2017. Essa proposta de coalizão, apelidada de “semáforo”, por causa das cores dos três partidos, daria 416 deputados ao governo, mais que a metade necessária de 368. Já a coalizão CDU/CSU, de Laschet, elegeu 196 deputados, 50 a menos que em 2017. Logo após o resultado, ele confirmou que a centro-direita tentaria formar um governo com os Verdes e os liberais — apelidado de “Jamaica”, pois as cores dos três partidos lembram a bandeira do país caribenho. A proposta não foi bem recebida pelo seu próprio grupo. “A tendência é que o SPD lidere a coalizão de governo, não a CDU/CSU. Uma coligação de centro-direita poderia gerar um voto de desconfiança no Parlamento”, diz Mário José Dias, professor de História Contemporânea no Centro Universitário Salesiano de São Paulo.

“O sistema alemão é assim. O líder político precisa não apenas vencer, mas ter a habilidade de construir uma coalizão”, reforça Kai Enno Lehmann, professor de Relações Internacionais da USP. Ele comenta que é possível que a jovem líder dos Verdes, Annalena Barboeck, de 40 anos, seja a ministra das Relações Exteriores do novo governo. “Normalmente, esse ministério vai para o segundo parceiro da coalizão de governo. A novidade é que Scholz desta vez tenta formar um governo com três partidos e não com dois, como é atualmente”, observa.

Para a Alemanha e a Europa, a mudança é grande. Merkel, herdeira política de Helmut Kohl, conseguiu não só manter a estabilidade alemã e do euro durante 16 anos, como lidou com a crise da dívida da Grécia em 2009 e garantiu a entrada dos refugiados sírios em 2015, na contramão de seus parceiros europeus. Também conteve o populismo extremista de Trump, que desafiou as próprias democracias representativas pelo mundo. Não é uma política de fácil substituição no cenário internacional.

Reflexos no Brasil

Para o Brasil, as perspectivas não são boas. O novo governo alemão não apoiará o tratado de livre-comércio entre a Europa e o Mercosul, ao contrário de Merkel, e aumentará a pressão por causa do desmatamento da Amazônia, especialmente se Annalena Barboeck for confirmada como ministra das Relações Exteriores. “Acredito que os verdes aumentarão muito a pressão sobre o Brasil por causa da Amazônia”, comenta Dias. “Inclusive, com reflexos em outros setores da economia, além do agronegócio”, alerta. “A minha percepção é que o novo chanceler não terá o tratado com o Mercosul como prioridade. Até porque os Verdes não querem que a assinatura seja feita com Bolsonaro”, diz Lehmann.