Existe um princípio célebre do poeta inglês John Donne, um dos maiores metafísicos do século XVI, segundo o qual “nenhum homem é uma ilha.” Em política, essa frase é um princípio basilar e, na história do Brasil, há inúmeros exemplos das consequências nefastas relacionadas à mandatários que preferiram seu isolamento sob o pretexto de combater a má política. Desde o início do mandato, o presidente Jair Bolsonaro vem buscando se distanciar das articulações nos bastidores do Congresso, sob a justificativa de que não quer ser contaminado pela velha política. O problema é que nenhum homem vive fechado em si mesmo. E se o presidente quer realmente se isolar, de fato ele corre sério risco. Nos últimos dias, Bolsonaro tornou-se ainda mais refém das ações de parlamentares da Câmara e do Senado que, nesse momento, vêm polarizando a pauta das discussões. Resultado: uma derrota atrás da outra no Congresso. As mais recentes, na semana passada, se deram no Senado e no STF.

Coleção de derrotas

Pela falta de articulação política, todo projeto de lei ou medida provisória encaminhados pelo Executivo sofre grande resistência. O mais duro golpe foi-lhe dado na quarta-feira 12, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que aprovou o relatório do senador Vital do Rêgo (PSB-PB), derrubando os decretos presidenciais que flexibilizavam o porte e a posse de armas. Agora, tais decretos irão ao plenário e, nele, os próprios líderes do governo, como o major Olímpio Gomes (PSL-SP), temem que sejam rejeitados. “O decreto sobre as amas é uma aberração”. Diz a senadora Kátia Abreu.

O isolamento de Bolsonaro
AFINADOS Medidas de Bolsonaro consideradas polêmicas têm sido derrubadas pela ação articulada de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (Crédito:Marcos Corrêa/PR)

Nem mesmo uma Medida Provisória relativamente simples, como foi a da reforma administrativa (que reduziu os ministérios de 29 para 22) passou incólume. Sem contar outras derrotas amargas, como o fato do Orçamento da União ter se tornado impositivo para emendas de bancadas estaduais e o estabelecimento de um novo rito para a tramitação de MPs. E há possibilidades claras de que Senado e Câmara derrubem as mudanças no Código Brasileiro de Trânsito — sobretudo as que afrouxam multas para quem não usar cadeirinha veicular para criança e a abolição de radares.

Outro sinal desse isolamento político do governo foi a votação do projeto de lei solicitando crédito suplementar emergencial da ordem de R$ 248,9 bilhões. Inicialmente, os apelos emocionais do governo foram mal vistos pelo Congresso. Tanto que os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), respectivamente, conseguiram suspender, há 15 dias, a primeira sessão de análise do pedido com um objetivo claro: dar um recado a Bolsonaro de que, sozinho, não conseguirá governar. Com 28 anos de legislatura, nos quais só conseguiu aprovar dois projetos como integrante do chamado “baixo clero”, talvez Bolsonaro pense que, agora como presidente, é só assinar uma baciada de decretos que todos eles passarão. O Legislativo tem lhe mostrado que a caminhada é bem mais árdua.

Há, no entanto, mais revezes para o presidente. Na quarta-feira, o STF determinou a suspensão parcial do decreto que previa a extinção dos conselhos de administração pública. No campo da reforma Previdência, o relator Samuel Moreira (PSDB-SP) vem mostrando que a situação, também aí, é dificil. Ele já indicou que excluirá estados e municípios, não fará mudanças na aposentadoria rural e na assistência a idosos pobres.

O mal estar com o Congresso não é de hoje, mas se agravou há duas semanas com duas propostas polêmicas lançadas por Bolsonaro que os parlamentares rechaçaram de imediato: a moeda única para Brasil e Argentina e a destinação de áreas preservadas para criação de uma espécie de Cancún brasileira. A persistir nos erros, o presidente pode acabar como a ilha de John Donne.

O mais recente golpe sofrido por Bolsonaro aconteceu na quarta-feira 12, na CCJ do Senado, que suspendeu o decreto sobre o porte de armas