À vésperas do Natal do ano passado, o empresário Luiz Gastão Bittencourt literalmente chutou as catracas e invadiu, acompanhado por uma tropa de choque, as dependências do Sesc\Senac do Rio de Janeiro. A truculência da ação se deu com o respaldo de uma polêmica intervenção decretada na entidade. Presidente da Federação do Comércio do Ceará, Gastão é homem de confiança de Antônio Oliveira Santos, o eterno presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), no cargo há cinco décadas. A intervenção foi decretada horas antes do recesso judicial – portanto sem tempo hábil para recursos – a pedido da CNC. Uma retaliação ao presidente de fato e de direito da Fecomércio do Rio, Orlando Diniz, que vem questionando os métodos adotados por Santos para manter-se à frente da CNC. Tudo isso seria mais uma dessas frequentes confusões corporativas que normalmente acabam em um grande acordo. Nesse caso, porém, a história é diferente. A considerar as medidas tomadas pelo interventor em poucos dias de gestão, bem como seu curriculum, fica claro que o Sesc\Senac do Rio precisa de um interventor do interventor.

Um dos requisitos básicos para um interventor é o de que ele tenha uma biografia ilibada. Tanto como pessoa física quanto com as empresas que porventura lhe pertençam. No caso de Luiz Gastão essa premissa está longe de ser cumprida. Pelo contrário. Empresário polêmico, ele opera direta ou indiretamente com empresas que administram presídios. E nesse ramo, suas empresas estão envolvidas em inquéritos e processos judiciais de várias naturezas. O próprio Gastão já foi denunciado pelo Ministério Público de três diferentes Estados: Amazonas, Tocantins e Ceará.

Os rolos de gastão

O interventor Luiz Gastão Bittencourt (acima) opera com empresas que administram presídios no Amazonas (à esq.), no Tocantins (centro) e no Ceará (à dir.). Nos três casos, há irregularidades nos contratos. Para se manter na gestão dos complexos penitenciários, o empresário terceiriza serviços para integrantes de sua família

Tortura e fuga de presos

No Tocantins, a Umanizzare, empresa criada por Gastão, foi alvo de um robusto inquérito da Polícia Federal. Como resultado da investigação, o governo foi notificado para que fossem cortados todos os contratos mantidos com a empresa. Depois disso, o Ministério Público Federal instaurou inquérito civil para apurar a prática de tortura nos presídios administrados por ele. “É uma investigação difícil de ser feita e um crime não facilmente comprovado, mas temos a convicção de que houve no mínimo conivência da empresa com praticas que ferem a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, disse à ISTOÉ um dos promotores que atuaram no caso.

No Amazonas, as falcatruas envolvendo empresas ligadas ao interventor Gastão são mais aparentes e os procuradores já encontraram fortes relações entre o empresário e as campanhas eleitorais do ex-governador José Mello (Pros), atualmente preso. No Estado, a Umanizzare era a responsável pela gestão do Complexo Penintenciário Anísio Jobim (Compaj) quando conflitos internos resultaram nas mortes de 56 detentos. A mesma empresa também era a responsável pela administração da Unidade Prisional de Paraquequara, onde, logo depois dos conflitos do Compaj, foram decaptados quatro presos que seriam integrantes do PCC. A Umanizzare administra ainda o Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), localizado às margens da rodovia Manaus –Boa Vista. No mesmo período em que houve o massacre do Compaj e a decaptação dos líderes do PCC, houve uma fuga em massa do Ipat. “É claro que houve omissão da empresa responsável por esses presídios”, disse um procurador que atua no processo. Segundo ele, em pouco mais de três semanas, 184 presos fugiram dos presídios administrados pela Umanizarre.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Negócios em família

Para se manter no ramo mesmo com tantas falhas, as investigações conduzidas pelo Ministério Público mostram que Gastão faz de sua família protagonista de um monopólio na gestão terceirizada dos presídios no Amazonas. Ele usou uma empresa com sede em Fortaleza e sem negócios com o Amazonas para realizar, em 2014, uma das maiores doações de campanha do governador, José Mello: R$ 1,2 milhão. O repasse foi feito através da Serval Serviços e Limpeza, que tem como administrador Luiz Fernando Bittencourt, filho de Gastão.

Em torno da família do interventor foram criadas 12 empresas suspeitas de mau uso de recurso público e superfaturamento

Um levantamento feito pelo jornal O GLOBO no início de 2017 mostra que, desde 2003, em torno da família do interventor do Sesc Rio foram criadas nada menos que 12 empresas, que dominam o mercado de administração de presídios. Nos últimos sete anos, segundo informações colhidas por ISTOÉ no Tribunal de Contas do Estado, essas empresas receberam mais de R$ 1 bilhão do Estado em contratos polêmicos ainda sob fiscalização. As suspeitas são de superfaturamento, ineficácia de gestão e mau uso do dinheiro público. Apesar das investigações e das recomendações feitas tanto pelo Ministério Público como pelo Tribunal de Contas , a Umanizzare e a RH Multi dominam a administração terceirizada do Amazonas, sendo responsáveis pela gestão de seis presídios. Em 2014 foi criado o Consórcio Pamas, para a gestão e realização de obras em cinco unidades. Os representantes desse consórcio são Luiz Fernando Monteiro Bittencourt e Regina Celi Carvalhaes de Andrade, sócios da RH Multi e da Umanizzare respectivamente. “Eles entraram no estado sem concorrência, em um processo de emergência e desde então ficaram instalados por aqui, com inúmeros CNPJs”, afirma Antônio Santiago, vice-presidente do Sindicato dos Servidores do Amazonas.

Os inquéritos no Tocantins, Amazonas e Ceará mostram que a biografia de Gastão não preenche os requisitos esperados de um interventor. Não apenas por isso que o Sesc\Senac do Rio de Janeiro precisa de um interventor do interventor. Desde que ocupou o cargo, Gastão ampliou os gastos, aumentou o número de funcionários e vem gerando enorme desconforto na entidade. Além dessas questões administrativas, Gastão cortou projetos relevantes para a sociedade. Os mais visíveis foram os cortes dos patrocínios ao time feminino de Volei, treinado pelo campeoníssimo Bernardinho, e à equipe masculina, treinada pelo também campeão Giovane Gáveo. Patrocínios com enorme retorno institucional a o Sesc. Com interventor assim fica difícil vencer qualquer jogo.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias