Um novo perfil de ministro está à frente do Meio Ambiente. Joaquim Álvaro Pereira Leite não se envolve em quedas de braço à toa, como era o caso de Ricardo Salles, um legítimo representante da ala ideológica do governo Bolsonaro. Leite foi produtor de café e trabalhou durante 20 anos na Sociedade Rural Brasileira (SRB) e, por isso, é visto pelo governo como um nome mais preparado para negociar leis favoráveis à bancada ruralista. No entanto, ele é ainda mais perigoso à natureza, especialmente aos indígenas. A família do ministro disputa uma área de terras no Pico do Jaraguá, em São Paulo, com a Tribo Guarani, desde 1996.

DEFESA Ato na Rodovia Bandeirantes reivindicou a manutenção
das terras do povo Guarani no Jaraguá em São Paulo (Crédito:Divulgação)

Mais do que Salles, o novo ministro teria interesse pessoal no plano de Bolsonaro em reduzir as áreas indígenas demarcadas. O presidente já declarou que acha “abusivo” o território demarcado. A líder da Tribo Guarani, Maria Arapoty, disse que na disputa de terras contra a família do novo ministro, em 2014, houve muita truculência, que só foi evitada com coragem. Uma coincidência chama atenção. Já naquela época, um grupo de cerca de 300 motociclistas foi ameaçar a comunidade. “Alguns deles chegaram armados e tentaram nos intimidar. Nós temos muitas crianças e idosos, mas não vamos ceder nossas terras, legitimamente demarcadas”, afirmou a indígena.

Maria explicou porque é contra a nomeação do ruralista. “Temos um monte de rios poluídos e a natureza para preservar. Aí o Bolsonaro escolhe um ministro que quer tomar as terras dos povos originais? Não faz sentido”. A líder Guarani afirmou que a nomeação de Leite trouxe muita insegurança. “Agora tem mais poder, vai ser mais difícil para a gente”. Ela contou que a demarcação das terras garante a posse aos 1.000 indígenas que ocupam os 532 hectares, com seis núcleos de aldeia. A família do ministro se defende, dizendo que tem certidão da área datada do ano de 1946. Ao que Maria responde: “estamos aqui desde sempre. Antes dos portugueses chegarem, essa terra já era nossa”.

Há um entendimento dos defensores dos povos indígenas de que o ministro veio para endossar o discurso de exploração das terras demarcadas. A porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace, Thais Bannwart, afirma que Leite seguirá uma agenda de governo antiambiental e anti-indígena. “Não há expectativas de que o novo ministro mude a trajetória da política equivocada na área socioambiental”. Primeira mulher indígena a ser eleita para o cargo de deputada federal, Joenia Wapichana (Rede-RR), também pensa que nada mudará com Leite. “Ele já veio de uma gestão envolvida em atos ilícitos, conforme denúncias de delegados da PF e nos preocupa esse histórico da família que está envolvida na disputa pela terra indígena do povo Guarani”, afirmou a deputada.

“A gente não vai sair não. Não vamos entregar nossa terra para a família do ministro não” Maria Arapoty, líder da Tribo Guarani

A Organização das Nações Unidas (ONU) está preocupada com os conflitos no Brasil. O último relatório apresentado na 47ª sessão da entidade, cita o “risco de genocídio” contra indígenas. As maiores queixas estão relacionadas à demora em apurar crimes de proprietários rurais contra comunidades protegidas. O posicionamento da ONU complica ainda mais a investigação contra Bolsonaro que corre desde 2019 no Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, que apura se o presidente incitou crimes contra a humanidade e genocídio de povos indígenas. Por sua vez, o ex-ministro Ricardo Salles está com o passaporte retido por ordem da ministra do STF, Cármem Lúcia. Salles foi incluído pela Polícia Federal (PF) no Sistema de Tráfego Internacional e não pode sair do País. A justificativa é que ele precisa permancecer no Brasil para responder por possíveis “ilicitudes”.

MEDO Maria conta que em 2014 cerca de 300 motociclistas foram até a Tribo Guarani ameaçar a comunidade: alguns armados (Crédito:Toni Pires)

Por conta da posse do novo ministro, os indígenas organizaram na sexta-feira, 25, uma manifestação na Rodovia dos Bandeirantes em São Paulo. Eles pararam o trânsito pedindo a manutenção das terras demarcadas. Em Brasília, cerca de 3.000 indígenas estão acampados em protesto ao PL 490/2007. O projeto passou pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ). Se for aprovado pelo Congresso os territórios indígenas estarão ameaçados por garimpos, abertura de estradas e construção de hidrelétricas. Desejo manifesto por Bolsonaro e reafirmado com a nomeação de Leite.