O Ministério da Economia de Paulo Guedes passou um tempão dizendo que encaminharia ao Congresso um projeto de reforma tributária “nas próximas semanas”. Dezenas de semanas depois, começou a cumprir a promessa. Entregou ontem a primeira fatia de um rocambole tributário e deixou vazar algumas informações sobre o que pode vir por aí “até o final do ano”. Os detalhes do que veio à tona não são nada animadores, mas o principal problema é mesmo o fatiamento.

Se existe um tema em que essa abordagem não faz sentido é a reforma tributária. O sistema de impostos é uma das bolas de ferro que impedem o país de avançar. Ele precisa de simplificação e, principalmente, de uma verdadeira mudança de lógica. Quando se entrega um projeto de pedacinho em pedacinho, é impossível saber qual será o tamanho final da carga de impostos, de que maneira ela vai incidir sobre os diferentes setores da economia, se haverá ou não efeito redistributivo e assim por diante. Resumindo: todas as perguntas importantes ficaram sem resposta.

O que o governo propôs ontem? Basicamente, unificar PIS e Cofins, dois tributos que incidem sobre bens e serviços. Isso é muito menos ambicioso do que o sugerido pelos projetos que tramitam no Congresso. Eles visam a eliminar algo entre cinco e nove tributos e substituí-los por um imposto único sobre bens e serviços, que poderia ser chamado de IVA (imposto sobre valor agregado) ou IBS (imposto sobre bens e serviços). É algo que há muito tempo já foi testado e aprovado em países desenvolvidos.

Não é por ser menos ambiciosa que a proposta do governo é mais fácil de aprovar. O setor de serviços, que teme pagar mais com o IVA, deve estar arrepiado desde ontem. O monstrengo resultante da união de PIS e Cofins teria uma alíquota de 12%. Hoje, os contribuintes mais afetados por esses dois tributos  pagam 9,25%, sendo que um grande número de pequenos prestadores de serviços fica na alíquota de 3,65%. Para esses, a facada poderia ser mortal.

Esse é o lado da maldade. Guedes e sua equipe também souberam ser bonzinhos – com bancos, que ficariam isentos do aumento de tributação, e com setores como óleo e gás e agricultura. Usaram uma mistura de argumentos técnicos e legais para justificar os privilégios, mas sejam quais forem as razões, eles não foram capazes de tocar em um dos pontos mais graves de nosso sistema tributário: os regimes especiais, que criam distorções na economia e são, em muitos casos, pura e simplesmente injustos.

Difícil entender como algo tão ruim foi enviado ao Congresso. Será que Paulo Guedes finalmente abandonou sua empáfia, o seu tom de “papai sabe tudo”, para admitir que os parlamentares podem ter algo a contribuir na discussão? Ele disse algumas frases nesse sentido ontem.

Acho mais plausíveis outras duas explicações. Primeiro, que o governo realmente não sabe como amarrar todas as pontas de um projeto abrangente. Está confuso. Segundo, que a estratégia ainda é protelar. Paulo Guedes tem uma obsessão: criar um novo imposto sobre movimentações financeiras – uma nova CPMF – para em troca promover desonerações permanentes na folha de pagamento das empresas. Essa é a reforma que ele realmente almeja. Mas a ideia não passa pelo Congresso, nem pela goela da maioria dos brasileiros. Alongando a discussão, quem sabe não surge uma conjunção astral mais favorável lá na frente?

Esperemos que o tiro saia pela culatra. O Congresso, que com razão aguardava que o governo assumisse alguma responsabilidade e uma posição na batalha, pode agora sentir-se à vontade para fazer a pauta avançar. Como fez, também ontem, com o Fundeb, essencial para o futuro da educação e para o qual o governo não contribuiu sequer com uma ideia decente.