No fim de setembro, a polícia que combate mafiosos na Itália invadiu uma bela casa de campo na idílica cidade costeira de Castellammare di Stabia, perto de Nápoles, litoral oeste do país. Num dos cômodos, envoltas em prosaicos panos de algodão, estavam duas pinturas do impressionista holandês Vincent Van Gogh (1853-1890). Roubadas de um museu em Amsterdã há 14 anos, elas foram descobertas nas mãos de um influente traficante de drogas após uma busca implacável envolvendo delatores, escutas policiais, rotas internacionais de tráfico e cartéis latino-americanos. “As investigações permitiram confiscar diversos bens de organizações criminosas, inclusive os dois quadros”, diz Antonio de Bonis, criminalista especializado em máfia contratado pelos Carabinieri, a polícia italiana.

RESGATE: "Congregação deixando uma igreja reformada em Nuenen" (esq.) e "Vista do mar em Scheveningen" (ao lado), as obras recuperadas pela polícia
RESGATE: “Congregação deixando uma igreja reformada em Nuenen” (esq.) e “Vista do mar em Scheveningen” (ao lado), as obras recuperadas pela polícia

No submundo do crime

As obras foram levadas do Museu Van Gogh em dezembro de 2002, quando bandidos invadiram o prédio pelo teto e usando uma escada. Os alarmes foram acionados, mas os policiais não chegaram a tempo. Depois disso, os ladrões teriam oferecido as pinturas ao criminoso holandês Cornelis van Hout, que esteve por trás do sequestro do magnata cervejeiro Freddy Heineken, por valores entre US$ 50 a 150 mil. O negócio não foi adiante, e quem acabou ficando com os quadros foi outra figura do submundo europeu, Raffaele Imperiale, na época pequeno traficante e dono de um “coffee shop” em Amsterdã. As obras permaneceram com ele até hoje. Nesse meio tempo, os responsáveis pelo furto foram presos e condenados com base em amostras de DNA, mas juraram inocência e não deram nenhuma pista aos investigadores.

Em 2006, a reputação de Imperiale havia crescido entre a bandidagem internacional. Ligado ao clã Amato Pagano, membro da Camorra, a máfia napolitana, ele chefiava o comércio de entorpecentes no porto de Livorno quando a polícia apreendeu 700 quilos de cocaína em 2005. O mafioso percebeu que a linha estava comprometida e saiu em busca de uma nova rota de entrada da droga na Itália, saindo da América do Sul e passando por Amsterdã. Não se deu conta, porém, que estava marcado pelos investigadores. As reuniões de Imperiale e seus asseclas com membros dos cartéis colombiano e venezuelano, realizadas no hotel de luxo Tamanaco, em Caracas, foram grampeadas pela polícia. Nas escutas, as autoridades ouviram as primeiras menções aos Van Goghs roubados.

Busca pelos quadros durou mais de uma década e envolveu delatores,
grampos policiais, rotas internacionais de tráfico e cartéis latino-americanos

A operação durou de 2006 a 2010, mas, às vésperas da conclusão, ainda não havia indícios do local onde as pinturas estavam escondidas. Os agentes chegaram a plantar notícias sobre o paradeiro dos quadros na imprensa italiana, na esperança de que os envolvidos comentassem sobre o assunto nas escutas. Nenhuma dica apareceu. O fio solto que faltava veio à tona em janeiro deste ano, depois da prisão de Mario Cerrone, braço direito de Imperiale, numa operação contra o clã Amato Pagano. Em troca de redução de pena, Cerrone delatou o paradeiro das obras, a casa de campo de Castellammare di Stabia. A polícia apreendeu as pinturas e mais de US$ 20 milhões em bens, incluindo um barco e um avião. “Grupos como a máfia roubam quadros para chantagear seguradoras, usar como pagamento 10% do valor real e fazer acordos com a polícia caso sejam pegos”, afirma Arthur Brand, investigador independente de crimes envolvendo obras arte baseado na Holanda. “Nesse caso, foi a terceira opção.”

A Itália agora aguarda a decisão dos Emirados Árabes Unidos sobre a extradição de Imperiale, que está escondido em Dubai. Quanto aos quadros, encontrados com danos mínimos, estão sob a guarda da Justiça e devem ser devolvidos ao Museu Van Gogh depois do fim do processo.

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