Após governo marcado pelo chamado orçamento secreto no Congresso, o Executivo precisa recuperar prerrogativas cedidas ao Legislativo em matéria orçamentária, com transparência e critérios para distribuição de recursos.Os desafios para o futuro governo federal em relação à temática orçamentária são enormes. A multiplicidade de regras fiscais tem se revelado insuficiente para garantir previsibilidade e credibilidade para a política fiscal. E o cenário de teto de gastos, com o crescimento das despesas obrigatórias, implicou em fortes restrições orçamentárias para as despesas discricionárias.
Ademais, o redesenho de regras orçamentárias e a ampliação de prerrogativas do Poder Legislativo em matéria orçamentária, somados a uma omissão do Poder Executivo, contribuíram, no atual governo, para acentuar conflitos alocativos e distributivos. Portanto, aos desafios de elaboração de uma nova âncora fiscal somam-se os dilemas relativos às negociações em torno das emendas de relator, apelidadas de orçamento secreto.
A média de dotações discricionárias incluídas ou acrescidas pelo relator-geral, excluindo-se as retificações de ordem técnica e legal, cresceu exponencialmente no último período. Esta média, que foi de cerca de R$ 5,8 bilhões por ano, no período de 2004 a 2019, foi elevada para um montante anual de cerca de R$ 26,2 bilhões nos últimos três anos (2020 a 2022). E tudo isso em um cenário de redução significativa da discricionariedade com que contava o Executivo para compor sua base de apoio no Congresso Nacional.
A impositividade das emendas orçamentárias contribuiu para um cenário de cotas parlamentares com a reconfiguração das emendas de relator-geral, que permitem tratar diferentemente quem integra a base de apoio do governo ou não.
Maior articulação entre Executivo e Legislativo
Torna-se necessário que o novo governo enfrente o árduo desafio de repactuar com o Congresso Nacional os termos que presidem a alocação das emendas de relator. O governo do presidente Jair Bolsonaro foi omisso em matéria orçamentária, terceirizando a definição alocativa ao Congresso sem que houvesse qualquer tipo de articulação para apresentar as diretrizes e prioridades alocativas do governo.
Contribuiu para isso um cenário em que havia um Superministério da Economia, tornando a interlocução com o Parlamento praticamente inexistente. O governo que se encerra apostava suas fichas na venda de uma "nova política", evitando a gerência do governo de coalizão, que implica necessário compartilhamento de poder, com a vedação às indicações partidárias para a ocupação de ministérios.
A repactuação das emendas de relator exige uma maior articulação entre Executivo e Legislativo, por meio da qual possam ser estabelecidas prioridades alocativas, inclusive para investimentos. Uma maior transparência do processo alocativo no âmbito do Congresso, associada a um processo de participação social para validação dos investimentos e prioridades, pode contribuir para ordenar a elaboração das emendas.
Critérios para aplicação dos recursos
Ademais, torna-se imperioso que se avance na estruturação das políticas públicas no âmbito do Executivo, para que, efetivamente, possam existir critérios para aplicação dos recursos, orientando, inclusive, a alocação orçamentária no Parlamento.
Tal estruturação possibilitaria, por exemplo, que o saneamento de impropriedades técnicas das emendas, inclusive as de relator, que é realizado no âmbito do Executivo, passasse de um exame meramente formal para uma análise de mérito acerca da incompatibilidade com a política pública setorial, o que hoje não ocorre.
Ademais, as deficiências de articulação com o Legislativo precisam ser minoradas por meio de uma sistemática regular e estruturada de apresentação de objetos aptos pelo Executivo, inclusive por meio de banco de projetos, a serem executados por intermédio das emendas parlamentares.
É imprescindível que o Executivo recupere prerrogativas cedidas com o avanço do Poder Legislativo em matéria orçamentária. Articulação política, estabelecimento de prioridades, ampliação da transparência e da participação social, estruturação das políticas públicas e definição de critérios para distribuição dos recursos são componentes necessários de uma cesta de iniciativas para resgate e fortalecimento da débil governança orçamentária.
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Planaltices é uma coluna semanal sobre política brasileira. Os textos são escritos por colaboradores do grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenada pela cientista política e professora da UFMG Magna Inácio, a coluna é publicada simultaneamente pela DW Brasil e repercutida no blog do PEX.
Rodrigo Oliveira de Faria é analista de Planejamento e Orçamento do governo federal. Doutorando e mestre em direito financeiro pela USP, foi secretário-executivo adjunto do Ministério da Justiça de 2012 a 2016 e coordenador-geral do processo orçamentário do Ministério da Economia de 2016 a 2020.
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