Ainda bem que existe o Sistema Unificado de Saúde (SUS) e tomara que ele não piore e nem perca importância. Se isso acontecer, o equilíbrio precário entre saúde privada e pública no Brasil pode ser alterado a qualquer momento. Quem tem dinheiro para pagar um plano, o equivalente a 25% da população do País, consegue no serviço privado o atendimento que necessita. Quem não pode, os outros 75% dos brasileiros, mais de 160 milhões de pessoas, usa o sistema público, que tem funcionamento desigual – em alguns locais é bom e em outros, como no Rio de Janeiro, enfrenta problemas de demora de atendimento e falta de capacidade para a prestação de serviços – mas, de um modo geral, atende as necessidades dos pacientes. Nos últimos anos, por causa da crise econômica e do desemprego, houve uma redução de três milhões de usuários nos planos de saúde. O resultado foi o aumento da pressão sobre o SUS, que ampliou o número de consultas e procedimentos hospitalares. Outro efeito da crise foi o desenvolvimento de uma terceira via da saúde, que inclui o uso de aplicativos médicos, o aumento da utilização de clínicas e hospitais populares e a busca de planos mais baratos. Em 2020, essa terceira via continuará em expansão.

O SUS é a única opção para os mais pobres, mas apresenta problemas como o longo tempo de espera por uma consulta, exame ou cirurgia

Há sinais de que o governo de Jair Bolsonaro quer abrir mais espaço para a saúde privada e diminuir a importância do SUS, considerado o maior serviço de saúde pública do mundo e a única alternativa de atendimento médico para a população mais pobre. Algumas mudanças em andamento confirmam essa vontade de enfraquecê-lo. O governo trata, por exemplo, de desvincular verbas orçamentárias de gastos obrigatórios em saúde. O ministro da Economia, Paulo Guedes, fala em acabar com os patamares mínimos de custeio da área, tanto para a União como para estados e municípios. Para o governo federal, o piso a ser aplicado em saúde corresponde ao valor do ano anterior acrescido da inflação no período. Para os estados, o piso mínimo desses gastos é de 12% da receita e para municípios, de 15%. O objetivo de Guedes é acabar com esses patamares, o que, na prática, vai representar uma diminuição de verbas destinadas ao SUS e uma perda de qualidade do serviço.

Menos verbas

Além disso, o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, pretende mudar a forma de financiamento dos serviços de atenção primária a partir de 2020. Em vez de repassar os recursos do programa Saúde da Família com base na população de cada município calculada pelo IBGE, o Ministério vai repassar apenas a verba referente à população que se cadastrar nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município. É uma iniciativa que deve reduzir o número de usuários do SUS no curto prazo. Como será impossível cadastrar toda a população de grandes municípios nos próximos meses, o repasse de verbas será menor. O orçamento do governo federal para a saúde em 2019 é de R$ 123,42 bilhões, dos quais R$ 106,54 bilhões foram executados.
Do lado das operadoras de planos de saúde há um projeto de lei enviado à Câmara em outubro que prevê a oferta de pacotes de serviços mais enxutos. Para baixar os preços das mensalidades dos planos, as operadoras querem que o governo autorize a oferta de convênios focados na atenção primária, que cubram apenas consultas médicas e exames mais simples e excluam procedimentos complexos, como cirurgias e internações. A imensa maioria dos 47 milhões de brasileiros com planos de saúde têm empregos formais. Do total de conveniados, 38 milhões estão vinculados a contratos coletivos de empresas e instituições e os outros 9 milhões contam com planos individuais e familiares. Com os novos “miniplanos”, as operadoras pretendem estimular a adesão aos contratos individuais de pessoas que trabalham informalmente. Pretendem também mudar as regras de reajuste das mensalidades e torná-las mais flexíveis.

Diante do impasse de preços e custos, a ampliação do uso de serviços alternativos será uma tendência neste novo ano. Há uma proliferação de plataformas digitais de saúde e de clínicas populares que cobram um preço acessível pelos seus serviços e que estão sendo mais procuradas por uma população espremida entre o SUS e os planos. O grande problema do SUS é o tempo de espera por uma consulta, exame ou procedimento cirúrgico. Além disso, o SUS não conta com serviços de hotelaria em hospitais e o atendimento é pragmático e sem luxos. Já o entrave dos planos é o preço exorbitante. A população brasileira está envelhecendo – a expectativa média de vida já supera 76 anos – e seus custos com saúde só aumentam. Está claro que o mercado pede uma solução privada intermediária que possa aliviar a pressão sobre o serviço público e trazer segurança para os mais velhos e os mais pobres.