Para curar o paciente não vale matá-lo. Para tratar as mazelas do Brasil não vale fraturar os princípios republicanos. Esse é um dos intrincados e tradicionais teoremas brasileiros que queremos demonstrar.

A corrupção e a impunidade sistêmicas que assolam o estamento político são imensuráveis, mas, ainda assim, está longe de ser formalismo intelectual o zelo pelo pacto democrático e pelas regras da República. O dia a dia social, econômico e político de uma nação é aprimorado se o ordenamento institucional for respeitado em todas as situações. O que se viu recentemente, no entanto, foi a tripartição dos poderes, mais uma vez, ser quebrada.

O STF votou pela restrição do foro especial por prerrogativa de função para parlamentares. Deu-se, assim, um importante passo na luta jurídica contra a impunidade. É grave, porém, o fato de que novamente a Corte tenha legislado ao alterar o artigo 102 da Constituição, sendo que o ato de legislar é função exclusiva do Poder Legislativo — tal poder se reveste dessa legitimidade por meio do voto popular. Assim, assistiu-se ao poder constituído alterar o que fora fixado pelo poder constituinte, assistiu-se ao poder constituinte derivado modificar o que estava estabelecido pelo poder constituinte originário — o que pode ocorrer, mas com respeito às fronteiras impostas pelo próprio poder originário .

A enfermidade institucional do País cronifica-se rapidamente porque não não há reação do Congresso. Diante da invasão de seu território de competência, parlamentares reagirem não é uma questão opcional mas, isso sim, é obrigação. Câmara e Senado existem independentemente de quem os ocupa, e a competência legislativa não é do investido no cargo — ela pertence naturalmente a essas próprias Casas. Deputados e senadores, ao assumirem seus mandatos, assumem também a obrigação de zelar pela incolumidade institucional e constitucional do Poder Legislativo. Mas não é isso o que vem ocorrendo.

É triste a razão de tanta apatia parlamentar, e ela se chama telhado de vidro: há considerável parcela de deputados, por exemplo, na mira das operações contra a corrupção e, consequentemente, há o receio de se opor ao Poder Judiciário. Dos cinquenta e cinco deputados federais envolvidos na Lava Jato, cinquenta almejam a reeleição. Reitera-se, aqui, a importância da restrição do foro, mas o saudável é que ela tivesse se dado sem se tocar na harmonia dos poderes — um dos fundamentos do Estado de Direito, que tem de impor limites a si mesmo confiando que um poder limite eventuais excessos de outro. Pergunte-se a Beremiz Samir (o fenomenal “O homem que calculava”, de Malba Tahan) e ele provará que o Legislativo se tornou o algarismo zero na defesa de sua função de legislar. Nesse cenário, o STF curou o mal do foro privilegiado mas fraturou a independência dos poderes. Eis o teorema que queríamos demonstrar.