O vento sopra contra Pep Guardiola e seus herdeiros. O jogo posicional que deslumbrou o mundo soma agora uma derrota após outra. O Flamengo de Domènec Torrent foi o último a ser afetado, depois de sofrer uma goleada histórica na Copa Libertadores que deixou seus torcedores indignados. Mudar ou morrer? O legado de Johan Cruyff passa por apuros no Brasil.

Na noite de quinta-feira, na altitude de Quito (a 2.850 metros do nível do mar), o Rubro-Negro, comandado desde julho por aquele que foi auxiliar técnico de Guardiola por uma década, sofreu sua pior derrota numa competição internacional em mais de um século de existência.

O placar 5 a 0 diante do Independiente del Valle, que poderia ter sido mais amplo, é também o maior revés sofrido por um atual campeão da Libertadores nos 60 anos de história do principal torneio de clubes da América, segundo o especialista em estatísticas Mister Chip .

“É uma derrota muito dolorosa, temos que pedir desculpas aos torcedores. É um desastre, mas são apenas três pontos”, disse o treinador catalão.

A torcida do time da Gávea respondeu indignada, nas redes sociais, à tentativa de apagar o incêndio.

A humilhação do atual campeão Libertadores e do Brasileirão reacendeu as críticas ao técnico de 58 anos. Depois de cinco títulos conquistados em treze meses sob o comando do treinador português Jorge Jesus, agora no Benfica, era necessária uma mudança de estilo de futebol?

“O técnico [Torrent] vai argumentar que precisa de tempo e tem até razão. Mas como pedir paciência a um torcedor que se acostumou a bater e não levar uma surra?” questionou o jornalista esportivo Felipe Schmidt no Globoesporte.com.

– Ter uma “máquina perfeita” –

A jornada sul-americana de Torrent teve um início turbulento e parece cambalear novamente. Perdeu nas duas primeiras partidas do Campeaonato Brasileiro e ocupou a zona de rebaixamento. Então pediu tempo para aplicar as ideias que executou com sucesso com Guardiola no Barcelona, Bayern de Munique e Manchester City.

Dirigentes e jogadores o apoiaram. O respaldo foi acompanhado por uma série de sete jogos invicto (cinco vitórias e dois empates) que colocaram a equipe na luta pela liderança do torneio nacional. Mas antes da partida pela terceira rodada do Grupo A da Libertadores, o time carioca perdeu por 2 a 0 para o lanterna do Brasileiro, o Ceará.

Em algumas partidas do Rubro-Negro surgiram faíscas daquele time do Barcelona que retomou os ensinamentos da época vitoriosa sob o comando de Cruyff e maravilhou o mundo entre 2008 e 2012 tendo em campo astros como Lionel Messi, Xavi ou Andrés Iniesta.

Em outras, o resultado foi alcançado através de um insoso e pouco fluido estilo de jogo, talvez devido às repetidas trocas de peças em um time que é praticamente o mesmo que Jesus dirigiu.

“Com o futebol posicional é preciso ter uma máquina perfeita: uma peça cai e tudo desmorona. E se, como aconteceu ontem, várias peças caem, já é uma catástrofe”, disse Carlos Salas, diretor da filial colombiana do jornal espanhol Marca.

O jogo de posição busca valorizar a veia ofensiva, as interações entre jogadores, a compreensão e a execução da tática através de uma estrutura que trabalha a posse da bola. Assim, explica Salas, uma falha destrói todo o esquema.

“Futebol é automatismo, movimentos que se repetem dia após dia. No final, se uma escalação é mantida e não se muda o estilo de jogar, é muito normal que um adversário que estudou seu estilo saiba onde pode te atingir “, acrescentou.

– É o fim? –

Os tropeços do Flamengo e as críticas à sua forma de jogar não são um fato novo na América do Sul. O mentor e agora auxiliar de Pep e no Manchester City, o espanhol Juan Manuel Lillo, não conseguiu aplicar sua tática no Millonarios (2014) e Atlético Nacional (2017), dois grandes da Colômbia.

Os argumentos dos detratores de Guardiola na Europa, aliás, ganharam força com a eliminação da equipe inglesa diante do francês Lyon nas quartas de final da Liga dos Campeões, em agosto passado.

A nova queda no torneio europeu, apesar do investimento milionário no time, foi considerada por muitos como um novo fracasso do ex-jogador, que após a sua saída do Barça não conseguiu repetir npor onde passou o brilho que alcançou com a equipe da Espanha.

“É preciso entender que o futebol posicional não é mais tão surpreendente quanto parecia na época”, destacou Salas.

Agora domina um futebol de transições rápidas, velocidade e alta pressão, que tem como expoente a seleção da França, atual campeã da Copa do Mundo, e o Liverpool, campeão inglês na temporada passada.

O que não significa, avisa Salas, que treinadores como Guardiola, Torrent ou o também espanhol Paco Jémez abandonem uma ideologia que já provou o seu valor.

raa/js/ol/lca

SPORT LISBOA E BENFICA – FUTEBOL