Não há dúvidas de que o mundo vai mudar sob o impacto da nova guerra. As situações de conflito armado são espaços de domínio masculino em que as mulheres se tornam, de um modo geral, coadjuvantes ou vítimas. No jogo de poder entre os gêneros, a guerra, inevitavelmente, transfere o comando e o protagonismo absoluto para os homens. Ela é o grito do macho branco ressentido que se empodera para liberar a violência contida em tempos de normalidade pelos impedimentos sociais e pela diplomacia. Com tanques, mísseis e balas, o que se pretende é trazer de volta o vetor masculino como determinante na sociedade e encolher o espaço de atuação das minorias e o valor da percepção feminina. Em vez de amor, ódio, em vez de diálogo, força bruta. Se nas últimas décadas, as mulheres avançaram nos círculos de poder e estabeleceram novos pontos de vista mais humanizados, além de trazer um ingrediente afetivo para as políticas públicas e contribuir para a manutenção da paz, agora, num planeta em estado de alerta, o que prevalece é o tamanho do porrete. Comando militar ainda é um negócio de macho.

A democracia contemporânea, amadurecida depois da Segunda Guerra, se fez com o avanço feminino e das minorias na sociedade. Mas nas autocracias nascentes que se vislumbram na Rússia, na China, no Brasil, na Venezuela e por toda a parte se busca um encolhimento desse espaço e uma ampliação do poderio masculino. De alguma maneira, o barulho das bombas emudece as mulheres e tornam suas reivindicações subordinadas aos esforços bélicos. Junto com a guerra se fortalece um discurso reacionário que as coloca numa posição subalterna e fragilizada em relação aos homens. E nessa situação de conflito, o macho branco ocidental pode retornar a um ilusório passado de glória, impondo a violência como fator de mudança social e lançando mísseis para fazer valer sua vontade. Está mais do que evidente que Vladimir Putin é um representante do velho patriarcado e um canal de expressão de um projeto retrógrado em que o elemento feminino é visto como fraqueza.

Na verdade, o próprio espírito democrático acaba sendo reconhecido como uma vulnerabilidade, quase uma veleidade feminina. As ditaduras e os governos autoritários são projetos de poder tipicamente masculinos e baseados na força. Eles são feitos por homens e para os homens e sustentados na repressão de qualquer adversário. Esse determinismo machista está atrelado à crença de que as mulheres são menos úteis, menos competitivas e trazem para o debate uma sensibilidade inconveniente, frequentemente mais caridosa e tolerante com os fracos e oprimidos. Na guerra, uma situação extrema, qualquer traço dessa empatia desaparece de vez e o macho branco pode impor agressivamente a sua vontade, sem travas. Se a democracia se move sob a valorização do feminino, a guerra é o império da testosterona. E o excesso de testosterona é ruim para os indivíduos e para a sociedade. Se há uma mudança em andamento no mundo, ela é para pior.