Eu julgo, eu decido se as eleições valeram ou não e resolvo se aceito o resultado. Basicamente assim estabelece a cartilha do capitão Bolsonaro, que a repisou na já antológica entrevista de mentiras no JN da Globo. Na prática, a questão de fundo é: quantas insurgências mais serão toleradas, quantas demarcações de limites democráticos serão atravessados e leis infringidas, no arreganho de desaforos ao sistema eleitoral brasileiro, até a data esperada do sufrágio a 2 de outubro? O período de espera pelas urnas parece uma eternidade na pororoca de episódios rocambolescos que marcam aquela que será talvez a mais dramática das disputas. Bolsonaro é o intendente de uma guerra anunciada. Fabricou, arquiteta a estratégia e convoca exércitos de milicianos, fiéis seguidores e alguns poucos militares inebriados pela sede de poder brasiliense para a batalha de uma vida — a de sua própria e de mais ninguém. O bloco dos que aderem parece formado por um contingente suficiente para a algazarra prenunciada e milimetricamente planejada. No passado, um dos rebentos do capitão chegou a proclamar aos quatro ventos que papai-pode-tudo conseguiria fechar o STF com apenas um cabo e um soldado. Tem mais gente nas fileiras da infantaria de agora. Inclusive empresários – de peso, quem diria! – que não tiveram o menor pudor de se exibirem nas redes sociais pregando o recurso de um golpismo bananeiro. Falaram em financiar. Marcaram data e motivo — esse definido como a eventualidade do demiurgo de Garanhuns, Lula, sagrar-se vitorioso na escolha do povo. Eles não permitirão, dizem. Não aceitam. Preferem o golpe. Revoltam-se contra a mera ideia de a maioria estabelecer vontades. Como assim? Por aqui, devem imaginar, ainda prevalece o conceito dos regimes feudais, onde o senhor das terras decreta aos habitantes do povoado as escolhas a serem feitas. Mal reformulada é a mesma sina revisitada dos tempos escravocratas da Casa Grande & Senzala e, desde lá, o Brasil ainda peleja para se livrar da aberração social que criou. Está evidente nos dias de hoje. Tem ministro que reclama até quando empregadas domésticas ousam ir à Disney acompanhando patrões. Onde já se viu? De parte da Justiça, há de se dizer, alguma resposta vem sendo ensaiada para lembrar aos tais sicários da elite que os dias em que vivemos são outros. Aqueles que nas redes sociais defenderam a ruptura institucional, via artifício da deposição de um candidato eleito que não fosse o deles, viram-se devidamente brindados com operações de busca e apreensão nos respectivos endereços domiciliares.

Tiveram os sigilos quebrados, contas bloqueadas e redes sociais investigadas. Parece pouco, mas já serviu de aviso. O dublê de Zé Carioca, varejista e animador eventual da torcida do capitão, Luciano Hang, resolveu reclamar por ter sido tratado como bandido. Talvez não tenha percebido, por falta de conhecimento ou de interesse mesmo, que macular os artigos da Carta Magna com tais conspirações é crime basilar. No altar do motim abortado, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, ensaiando mais um gesto de fidelidade figadal ao capitão, irritou-se com o episódio que encurralou empresários – ficou “indignado”, trataram de apontar assessores – e partiu para a habitual defesa fora das quatro linhas das atribuições que lhe cabem. Na escalada de radicalismo em curso, o Brasil se prepara no momento para a usurpação das comemorações do Sete de Setembro, numa captura tão indevida como afrontosa da data cívica e de seus símbolos, orgulhos nacionais, para meras anarquias. Bolsonaro quer mobilizações caudalosas, protestos para demonstrar uma suposta insatisfação geral dos brasileiros com o equilíbrio dos poderes. Espécie de ímpeto liberticida, um anseio que seria generalizado pelo ataque às instituições. Nada mais falacioso. Cercado por fanáticos arrivistas, que se contam aos pingados, o “mito” Messias imagina-se, quem sabe, o imperador da era moderna montado em um alazão a bradar nova independência, 200 anos depois de o País ter se livrado do jugo português e, por ocasião do movimento, restando cerca de 30 dias para o veredicto dos eleitores. Patética pantomima. Bolsonaro representa na verdade um rasgo de incongruências e atrasos na trajetória republicana brasileira. Implodiu com o que há de valores morais e convoca a turba ao caos, pregando uma ditadura sob seu comando. Ele só pensa nos interesses pessoais mais recônditos quando tenta liderar um quase motim institucional. Não existe o “nós contra eles”. Apenas a sanha irrefreável de um caudilho psicopata buscando reinar de modo absolutista.