Se o espancamento da carioca Elaine Caparróz por Vinícius Serra durante quatro horas, no apartamento da empresária, no Rio de Janeiro, tivesse ocorrido dez anos atrás, talvez passasse despercebido. Ou, no máximo, despertasse alguns comentários, muitos recheados de sombras machistas. Afinal, quem mandou Elaine levar para casa um homem que mal conhecia? E quem mandou Elaine, de 55 anos, ter uma relação com um jovem de 27? Como aconteceu na madrugada do último domingo 17, o crime cometido por Vinícius mexeu com o País. É verdade que uma parcela dos homens — e das mulheres também — culpou Elaine por ter sido espancada, como se ela tivesse merecido o castigo por ter infringido normas às quais todas estivessem submetidas. Mas, ao contrário do que seria visto anos atrás, milhares de brasileiros manifestaram solidariedade à empresária e protestaram contra mais esse crime tendo como vítima uma mulher. E tem sido assim nos últimos anos. Mais organizadas do que em qualquer outro período da história, as mulheres agora gritam contra o abuso e a discriminação. E estão conseguindo avanços importantes.

Vinícius, o espancador, por exemplo, responderá por tentativa de feminicídio, uma figura jurídica criada em 2015 para enquadrar criminosos que atentam contra a vida de uma mulher simplesmente por ela ser mulher. A legislação também tipifica o crime como hediondo, o que eleva a pena, estabelecida entre 16 a 30 anos de prisão. Este tipo de crime está crescendo. Segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, em 2017 foram registrados 24 feminicídios. Em 2018, 53. Uma das razões do aumento é a conscientização, que leva ao maior registro oficial. Mas parte pode ser atribuída a uma resposta de homens que se sentem acuados diante do poder feminino.

BÁRBARO Elaine é confortada pelo filho depois do espancamento. Acima, seu rosto antes da agressão

Conexões internacionais

Porém, a sociedade está alerta, como mostra o endurecimento no trato dos assassinos. Ele é um dos resultados obtidos pela pressão feita por um novo feminismo que usa principalmente o poder de mobilização das redes sociais. Ele sai das redes para alimentar coletivos, ongs, grupos de discussões em universidades e escolas, garantindo à mulher uma voz que ninguém mais pode ignorar. Elas se conectam dentro e fora do País, trocando experiências com mulheres do mundo todo. “Há maior intersecção entre os movimentos. No ano passado, fomos à Argentina acompanhar a votação da legalização do aborto naquele país. Aprendemos muito”, conta Amanda Menconi, 29 anos, envolvida na criação de um movimento nacional de mulheres a ser lançado no mês que vem.

“Se a gente não se defender, ninguém vai fazer isso por nós” Julia Machini, organizadora do movimento #EleNão

Marco Ankosqui

No Brasil, o mais expressivo retrato da evolução feminista foram os atos do #EleNão, realizados no ano passado contra o então candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro. Em um mesmo final de semana, os protestos aconteceram em 114 cidades. O de São Paulo, o maior de todos, reuniu 100 mil pessoas. Bolsonaro ganhou, mas o #EleNão continuou. “As mulheres hoje se compreendem como sujeitos políticos. Se a gente não se defender, ninguém vai fazer isso por nós”, diz Julia Machini, 24 anos, do coletivo Juntas e organizadora do movimento. No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, elas vão às ruas novamente, dessa vez com uma pauta ampla. Entre elas, o melhor enfrentamento do feminicídio, contra a redução da diferença de idade mínima entre homens e mulheres para se aposentar e pela prisão dos assassinos da ex-vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, mortos em março do ano passado. As reuniões para a organização dos atos acontecem semanalmente e já chegaram a contar com a participação de 200 mulheres. O movimento é, hoje, um dos mais importantes da sociedade civil.

Foi sob o clima de mobilização que ocorreu também a aprovação da lei definindo o assédio sexual como crime, aprovada em setembro passado. Chamado de importunação sexual, ele é caracterizado pela prática de ato libidinoso contra alguém, sem consentimento. “A lei é um reconhecimento institucional do problema”, diz Isabela Del Monde, co-fundadora do coletivo de Juristas Femininas. Este será o primeiro carnaval em que a legislação estará valendo. Pela primeira vez, uma mulher poderá brincar sabendo que, se alguém quiser tocar seus seios, “roubar” um beijo, pegar na sua genitália, sem que ela queira, é só chamar a polícia. A pena para o criminoso é de um a cinco anos de prisão. Espera-se que também os policiais respeitem mais esse direito. “Se ainda é difícil denunciar um estupro em uma delegacia, imagine o que pode ser reportar um crime de assédio”, diz Joice Berth, ativista do movimento feminista.