Os sinais são claros de que a nova geração cansou do autoritarismo, do desprezo às minorias e das tentativas de censura levados adiante por Jair Bolsonaro, que faz propaganda política abertamente enquanto busca calar os opositores que se manifestam contra ele. É o caso de boa parte dos cerca de 300 mil jovens que foram assistir aos três dias de shows do Lollapalooza, um dos maiores festivais de música do mundo, realizado no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Por causa de manifestações da cantora Pabllo Vittar em favor do candidato Luis Inácio Lula da Silva, o partido de Bolsonaro, o PL, acionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) denunciando a realização de propaganda irregular. O ministro Raul Araújo acatou o pedido e proibiu protestos durante o final de semana do evento, estabelecendo uma multa de R$ 50 mil para a organização do festival em caso de transgressão. No final deu tudo errado e o PL voltou atrás, mas ficou a demonstração cabal de que o governo não tolera divergência e trata os adversários com um rigor ditatorial. Ao mesmo tempo faz o que quer e promove a própria campanha eleitoral antes da hora, sem que haja reação do tribunal.

CRÍTICA Artistas como Marcelo D2 aproveitaram o festival para mostrar sua insatisfação com o governo (Crédito:Marcos Hermes)
MILITÂNCIA Emicida e Crioulo fazem campanha para que os menores de 18 anos tirem título de eleitor (Crédito:Adriano Vizoni)

Não por acaso, a popularidade de Bolsonaro entre os jovens despenca. Entre os artistas já é quase nula, num clima parecido ao do AI-5 – inclusive, o presidente elogiou o coronel Brilhante Ustra, domingo, 27. São sucessivos esforços de censura, de subordinação das mulheres, além de perseguições explícitas e veladas a grupos minoritários e promoção da violência, incluindo armamentista. Não bastasse a asfixia promovida pela Secretaria da Cultura e as tentativas de manipulação do Enem, durante três anos e três meses de governo, ele trabalhou contra a educação inclusiva, xingou estudantes, expressou preconceitos de todos os tipos e pregou uma universidade para poucos. Para Bolsonaro, os jovens são ameaçadores, trazem na alma o sentido da mudança e estão se afastando dele politicamente, por questões comportamentais. Ele quer agora, por exemplo, aprovar uma nova lei anti-terrorismo genérica que permitiria ao governo cometer arbitrariedades e perseguir manifestantes por qualquer motivo, podendo transformar um simples incidente em um protesto em uma questão de Estado. Bolsonaro ficou incomodado com o termômetro político que foi o festival e percebeu que não tem o mínimo controle sobre esse grupo, como acontece entre as mulheres de todas as idades. São alas do eleitorado em que ele enfrenta ampla rejeição. Nos dias seguintes, fez ironias contra os jovens e recomendou que seguissem as recomendações de seus pais e não votassem no PT.

A preocupação com o mantra “Fora Bolsonaro” cresce entre os estrategistas da campanha. O Lollapalooza expôs o descontentamento com o presidente em larga escala, em um público de classe média, fora do ambiente de fake news e cheio de robôs das mídias sociais. A banda Fresno, depois da decisão do TSE, foi a primeira a gritar o mantra, em alto e bom som, levando a plateia ao delírio – o grupo ainda colocou a frase “Fora Bolsonaro” no telão principal do palco. Anitta, que pelas redes sociais, já clamava aos jovens de 16 a 18 anos para fazer seu título de eleitor com o objetivo de “tirar o presidente atual”, zombou da multa de R$ 50 mil e disse que, com o valor, ela deixaria de comprar “uma bolsa”. A cantora ainda afirmou que pagaria a multa de outros artistas que não conseguissem arcar e incentivou os colegas a não se calarem. Outro influenciador digital que também estimulou os cantores a protestar foi Felipe Neto. Com mais de 15 milhões de seguidores nas redes sociais, o youtuber afirmou que os advogados do grupo “Cala Boca Já Morreu”, criado para intervir em situações de censura, estariam à disposição para contribuir na defesa de quem precisasse. Isso não foi preciso. Em uma trapalhada investida, o advogado responsável por protocolar a decisão do TSE errou o CNPJ e o e-mail do festival. Sem poder citar o Lollapalooza, não se pode cumprir determinação, então nenhum artista foi acionado. “O governo Bolsonaro é covarde, sua gestão é composta por gente de péssimo caráter, má índole e perversa. Os jovens sempre foram, historicamente, os primeiros a se revoltar. Os números das pesquisas deixam claro que os jovens são a maior força anti-Bolsonaro hoje no País e daí vem o desespero da corja que compõe esse governo”, afirmou Felipe Neto em entrevista exclusiva à ISTOÉ.

Os jovens formam um grupo determinante para o resultado da eleição deste ano. Se em 2018, segundo pesquisa do Datafolha, quase 30% dos jovens de 16 a 24 anos apoiava o presidente Bolsonaro, por ser uma figura nova, caricata, que fala o que pensa e, principalmente, por ter vindo das redes sociais – ambiente majoritariamente de jovens – nesta eleição, entretanto, as coisas mudaram. Mais de 50% desse público quer o impeachment do presidente – ele tem o apoio de apenas 16% da mesma faixa etária. Os motivos são diversos: a falta de olhar e programas de governo para a idade, o fato de ser conivente com o desmatamento e a destruição do meio ambiente, além, é claro, da má gestão com a pandemia que ele chegou a ridiculariza-la diversas vezes. Bolsonaro esquece que esses jovens que confiaram nele, perderam avós, pais, irmãos, primos, entre outros familiares para o que ele chamou de “gripezinha”. Beatriz Santos, 23 anos, votou em Bolsonaro no segundo turno em 2018, pois “queria tirar o PT do poder”, mas se arrependeu amargamente. “Foi a maior decepção da minha vida, queria voltar no tempo. Fiquei completamente frustrada e indignada. Se fosse o Haddad seria diferente. Acredito que ele não teria esse descaso pela pandemia”, afirmou. A garota revela que não vai cometer “o mesmo erro duas vezes” e não votará no presidente este ano. “Ele não olhou para os jovens durante quatro anos, porque olharia agora?”.

Julia Gonçalves, 22, também votou em Bolsonaro no primeiro e segundo turno em 2018, pois acreditou que ele seria diferente dos demais candidatos. “Queria uma renovação na política, mas logo fez alianças com o Centrão, acordos para se manter no poder. Basta de Jair Bolsonaro. Ele não fez nada de diferente dos outros, aliás fez pior durante uma pandemia”, diz. Mas ela também não votará no ex-presidente Lula. “Uma terceira via seria melhor. Estou torcendo para isso acontecer, caso contrário, terei que anular meu voto”, diz. A insatisfação desta faixa etária é tanta que até o dia 21 de março, o TSE emitiu mais de 850 mil títulos de eleitor para jovens de 15 a 18 anos. As novas emissões ocorrem em meio a uma campanha de mobilização nas redes sociais com grandes artistas como Anitta, Luísa Sonza, Zeca Pagodinho, Jão, Marina Sena e até nomes internacionais, como do ator Mark Ruffalo. Ele relembrou que nas eleições americanas esses jovens foram essenciais para tirar Donald Trump do cargo e pediu que os brasileiros façam a mesma coisa.

Pedro Henrique Katopodis estava no show da Pabllo Vittar no Lollapalooza e não tem vergonha em dizer que gritou junto com os milhares de jovens contra o atual mandatário. “Foi uma sensação indescritível. Estavam todos muito felizes em poder se expressar livremente”, afirma. O jovem, apaixonado por sociologia, história e geografia, ficou frustrado por não poder votar em 2018. Ele já tinha estudado os candidatos, sabia quem queria escolher. Havia participado de manifestações na rua e era membro de um grupo revolucionário desde os 15 anos. Agora, aos 17, não pensou duas vezes e tirou o título de eleitor. “Há uma linha tênue entre política e ética, mas alguns atos do Bolsonaro não tem como conversar. Está havendo um genocídio dos povos indígenas, desmatamento na Amazônia, descaso com a saúde pública e a educação, as tentativas de censura no MEC. Não tem como defender sendo de esquerda ou direita”, diz. Apesar de serem jovens, eles estudam, fazem parte de organizações políticas, se interessam pelo assunto e não deixam ser influenciados por pais, mães, parentes ou amigos. Flora Carvalho, por exemplo, vai completar 18 anos este ano, mas desde 2020 já tem título de eleitor. A garota começou a se interessar pelo assunto em 2018, após o assassinato da vereadora Marielle Franco. “Foi a primeira vez que eu tive contato com a morte de uma mulher, negra e LGBT”, explica. Na época, ela tinha apenas 13 anos, mas ficou extremamente impactada com a falta de transparência e resultado do governo.

Vontade democrática

A família de Flora sempre a incentivou a ler livros, jornais e formar a sua própria opinião. “Eu e minha mãe, politicamente falando, pensamos muito parecido, mas é claro que há divergências. Ela não tenta me manipular ou me influenciar a votar em um político especifico e acho isso importante. Os jovens têm opinião, têm senso crítico e precisam estudar os candidatos para eles próprios chegarem em uma decisão”, afirma. A estudante ainda não entende o motivo de tanto jovem ter apoiado o atual presidente nas eleições de 2018, segundo ela, o chefe de Estado já demonstrava ser “misógino, racista e homofóbico”, mas acredita que a queda na popularidade de Bolsonaro entre sua faixa etária se dê pelo aumento de grupos minoritários no debate público. “A gente começa a fazer perguntas quando nos aceitamos. Quem da direita defende meus amigos? Quem olha para o meu grupo? Estamos nos unindo para ter mais segurança, para nos aceitarmos, e não morrer na rua por ódio dos outros. É uma forma de resistir a esse desgoverno”, explica.

Na segunda-feira, 28, depois de perceber que a decisão de censurar os artistas do Lollapalooza não tinha sido bem aceita, Bolsonaro ordenou que seu partido retirasse a ação apresentada ao TSE. Mas já era tarde demais, além do festival ter se encerrado um dia antes, o estrago já estava feito. Político nenhum pode definir o lugar de falar sobre política. O assunto, por lei, é um direito do cidadão e pode ser tratado em todo o lugar. Claro, contanto que não haja violação dos direitos morais, ou que ofenda a integridade e a moral do próximo, sempre respeitando o semelhante. Nenhum desses casos foi notado durante o festival de música ou nos atos de Pabllo Vittar, banda Fresno, Emicida, Jão, e tantos outros que expressaram sua própria opinião. Direito este assegurado pela Constituição como liberdade de expressão. A verdade é que não se pode, e nem deve, querer calar os jovens, pois eles vão gritar mais alto, um som ensurdecedor, que vai fazer Bolsonaro cair da cadeira. Na eleição que se aproxima, a juventude, cada vez mais revoltada com os abusos do presidente, terá papel decisivo para garantir a democracia.