Há, nesse momento, na Câmara dos Deputados, pelo menos 30 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. O último deles foi apresentado quarta-feira 29 pela bancada do PSB e acusa Bolsonaro de onze crimes de responsabilidade, entre os quais falsidade ideológica, obstrução de Justiça e prevaricação. Para o líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), 48 anos, o presidente vem cometendo crimes reiteradamente e trata os opositores e a população com escárnio. Ele atenta contra princípios constitucionais e desonra o cargo que ocupa. Também incentiva as pessoas a abandonarem o isolamento social, aumentando o risco de infecção pelo coronavírus e tenta aparelhar a Polícia Federal para cuidar de seus interesses obscuros e impedir que seus filhos respondam por crimes pelos quais vêm sendo investigados. “Nós não pensávamos em entregar esse pedido agora, no meio da pandemia”, disse Molon à ISTOÉ. “Mas se nada for feito rapidamente, ele continuará colocando as pessoas em risco”.

Em que se baseia o pedido de impeachment feito pelo PSB?
O nosso pedido é bastante robusto. Estamos convencidos de que o texto é bem fundamentado. Está dividido em três partes. A primeira trata de crimes de responsabilidade com a tentativa de nomeação do novo diretor da Polícia Federal. Na segunda, tratamos dos crimes contra a democracia, especificamente da participação do presidente no ato que se destinava a defender o fechamento do STF e um novo AI-5. E, finalmente, temos os crimes contra a saúde e a vida da população brasileira, com o presidente colocando em risco as pessoas e estimulando aglomerações. Mostramos que não estamos tratando de uma exceção ou de um descuido, mas sim de uma conduta reiterada do presidente, que a todo momento atenta contra princípios da nossa Constituição, desonrando o cargo que ocupa.

Quais os crimes que o presidente estaria cometendo?
São onze crimes de responsabilidade. Além de falsidade ideológica, há a advocacia administrativa, que é trabalhar por interesses pessoais e não da administração pública, tentativa de interferência ilegal na PF, obstrução de Justiça, coação no curso do processo, prevaricação, corrupção passiva qualificada pela prevaricação, apoio e participação em atos e manifestações com ameaça da independência dos poderes Legislativo e Judiciário, interferência no âmbito de competências dos estados, ameaça a jornalistas e veículos de imprensa, por em risco a saúde pública ao estimular aglomerações e ameaças do presidente aos governadores em razão de medidas de isolamento dos estados. Na saúde pública, há o crime de epidemia e de infração de medidas sanitárias.

O senhor acha adequado entrar com um pedido de impeachment durante a pandemia?
Não desejávamos apresentar esse pedido agora. Entendemos que neste momento todos os esforços, a atenção, a energia e o tempo da gente deveriam ser, de alguma maneira, dedicados ao enfrentamento do coronavírus. O ideal seria não apresentar o pedido em um momento como esse. Mas a insistência do presidente em cometer crimes cada vez mais graves nos impediu de continuar aguardando o fim da pandemia e nos obrigou a uma reação. Se não fizéssemos nada agora, acabaríamos nos tornando coniventes ou cúmplices desse governo inconsequente e criminoso. E isso nós do PSB não somos e jamais seremos. Se nada for feito, ele continuará colocando a vida das pessoas em risco. Além da saúde e da vida das pessoas, ele ameaça o futuro da democracia.

O senhor acha que esse pedido vai frutificar? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, parece reticente em deferir os mais de 30 pedidos de impeachment que tem na mesa.
O presidente da Câmara disse que vai avaliar os pedidos. Ele ainda não se debruçou sobre o nosso, mas tenho convicção de que, quando ele ler, acabará por concordar com o andamento do nosso pedido, porque ele é muito bem fundamentado. Não há qualquer dúvida sobre a existência dos crimes de responsabilidade e da culpabilidade do presidente, que, inclusive, tem consciência da gravidade dos atos que pratica e dos constantes ataques às instituições brasileiras. Embora o presidente da Câmara não tenha se decidido sobre qualquer pedido de impeachment até o momento, quando apreciar o nosso, mais à frente, acredito que acabará por nos dar razão.

No caso da Polícia Federal, especificamente, na substituição do diretor-geral, o senhor vê caracterizado algum crime de responsabilidade nessa substituição?
Não há a menor dúvida. São vários crimes ligados a esse fato específico. O presidente não apresentou qualquer razão para a substituição do ex-diretor, não motivou a substituição, não fez qualquer queixa contra Maurício Valeixo, que não desejava deixar a função. Além disso, as credenciais apontadas pelo presidente para Alexandre Ramagem, são as ligações que ele tem com sua família. É gravíssimo que se tome isso como razão para escolher o chefe da PF. Isso é o contrário da indicação técnica. É um aparelhamento político num setor extremamente sensível, que é a polícia, para proteger a si mesmo, a seus filhos e a aliados. Isso é inaceitável.

O que ele pretendia com Ramagem na PF?
O objetivo do presidente não é apenas proteger a si mesmo e aos seus filhos, mas também transformar a Polícia Federal numa polícia política, numa policia a serviço de um governo, de um partido ou de um político, algo típico de ditaduras. É uma situação extremamente grave.

O senhor acredita que o presidente está tentando implantar um regime autoritário no Brasil?
Ele nunca escondeu a sua admiração por ditadores e ditaduras. O presidente homenageia torturadores. Ele nunca escondeu o apreço, a admiração, o desejo de ver regimes de força implantados por aqui e fez menção várias vezes ao que foi implantado no Brasil décadas atrás. Eu não tenho a menor dúvida de que o deseja. Não acredito que haja clima para isso hoje no Brasil. Não acho que há apoio. Mas não tenho dúvida de que ele deseja. E mostrou isso com seus atos. Evidentemente, toda vez que ele pratica algum ato desses, a reação que vem contra é muito forte. Aí ele sempre dá um passo atrás. Continua funcionando naquela estratégia de morde e assopra, avança o sinal, ultrapassa todos os limites e quando percebe que a reação é dura, simula algum arrependimento.

Ele não tem compromisso com a democracia?
Nenhum. O que se percebe é que quando ele fala de democracia é da boca para fora. Ele despreza e ataca os outros poderes porque quer reinar absoluto. Só que o regime em que apenas um manda chama-se ditadura e não democracia. A democracia é um governo do povo exercido por vários representantes, tendo de um lado o chefe do Executivo e do outro os poderes Legislativo e o Judiciário. O equilíbrio entre os três poderes serve para evitar o abuso do poder. Ele quer tornar seu poder cada vez mais absoluto e inquestionável.

Que tipo de crime o presidente estaria encobrindo?
Esse inquérito que está sob os cuidados do ministro Alexandre de Moraes é um inquérito que trata da fake news. E uma série de suspeitas cerca essa rede das fake news. Não apenas suspeitas da desinformação e do uso dessa rede de mentiras e destruição de reputações pelo presidente e por seus aliados, como também as suspeitas de financiamento ilegal dessas operações, o que também é de extrema gravidade. Uma série de crimes pode ser descoberta nesse inquérito, que vai produzir informações sobre o uso da mesma rede ilegal de mentiras nas eleições. Pode-se descobrir que esse esquema foi decisivo para levar Bolsonaro à presidência.

O que o senhor acha da interferência dos filhos no governo?
Com enorme preocupação. A população brasileira já percebeu que os filhos do presidente têm contribuído para atrapalhar a ele e ao governo. Não que sem a contribuição negativa dos filhos, o governo fosse bom. Por si, Jair Bolsonaro tem, infelizmente, todas as credenciais para ser um péssimo presidente. Mas os filhos conseguem transformar o que é ruim em algo pior. Sem falar na ameaça à democracia e na tentativa de controlar a investigação de crimes que possam envolver a ele, seus filhos e aliados. Portanto, diante da gravidade desses comportamentos, dessas condutas, não há como ficar omisso.

Existe clima hoje na Câmara para a aprovação de um impeachment?
Vejo que além dos partidos de oposição, há partidos que, embora concordem com a agenda econômica do governo, não conseguem mais permanecer omissos. Vejo partidos que defendem, por exemplo, a política do ministro Paulo Guedes e que, portanto, teriam tudo para apoiar o governo, mas que também já perceberam que os limites foram ultrapassados. E vejo ex-aliados do presidente mudando de lado. São vários que se elegeram fazendo campanha para Bolsonaro, mas ao descobrirem quem de fato ele é, e quais são suas intenções, decidiram abandonar seus planos irresponsáveis e inconseqüentes.

E a população pode ser favorável a um impeachment?
A população brasileira já percebeu quem é Bolsonaro. Há pesquisas que captaram essa mudança de posição do eleitorado, dando maioria, segundo alguns institutos de pesquisa, como o Atlas, a favor da abertura do processo de impeachment.

Como é a relação do presidente com o Legislativo?
O presidente está tentando atrair o apoio de alguns partidos, cedendo a eles a indicação de cargos de segundo e terceiro escalão, algo que durante toda a campanha eleitoral ele negou e algo que ele também negou no ato do domingo retrasado, dizendo que ele não negociaria. O que o presidente faz em público, porém, é o contrário do que faz às escondidas. Ele está oferecendo cargos em troca de apoio. O que ele sempre classificou como inaceitável, como velha política, como vergonha, é o que ele está fazendo atualmente.

Ele instalou um balcão de trocas na Câmara?
Não há a menor dúvida de que é isso que ele está tentando fazer no momento. Ele iludiu o povo brasileiro, dizendo que representaria uma ruptura com esse comportamento. Mas isso é tudo que ele vem fazendo nos últimos tempos, tentando garantir apoios, fazendo o contrário da ilusão que prometeu, que vendeu para o eleitor.

O senhor vê alguma chance de o presidente mudar de posição em relação à pandemia?
Tenho um fio de esperança de que nem que seja por medo, o presidente mude sua conduta. Nem que seja pelo medo de um impeachment prosperar, nem que seja pela ameaça de perder o cargo que ele se corrija e adote um comportamento minimamente responsável, conseqüente, protegendo a vida dos brasileiros. Espero que ele mude de conduta sim. A esperança é a última que morre. Tenho esperança de que ele caia em si e se dê conta da barbaridade que está cometendo contra o povo. Ele está tentando tirar as pessoas de casa com o foco única e exclusivamente na economia, não porque ele se preocupe com a renda ou com o bem estar das pessoas, mas porque ele só pensa na reeleição.

Até agora ele não divulgou os testes de Covid-19 que fez? Como o senhor avalia essa atitude?
Acho que é extremamente grave. Primeiro porque ele, com seu comportamento, se ele tivesse sido contaminado e tivesse escondido, é gravíssimo. Por que? Porque ele pode ter contaminado muitas pessoas. Afinal, ele fez questão de encostar nas pessoas, de apertar a mão delas, usando a mesma mão para limpar o nariz, como as fotos comprovaram. Falou com as pessoas sem máscara e estimulou aglomerações. Por isso, foi importante a decisão da Justiça de obrigá-lo a apresentar, em 48 horas, os resultados dos exames. É uma decisão muito importante porque em uma democracia, apesar dos arroubos autoritários do chefe do Executivo, é de interesse público a saúde do presidente. Esse é um assunto de interesse público. Não é um assunto privado.

E o papel dos militares? Como o senhor observa a relação de Bolsonaro com os militares?
Eu percebo que entre os altos oficiais há uma preocupação muito clara de distinguir as Forças Armadas das instituições de Estado. Eu mesmo já tive oportunidade de conversar com alguns generais de quatro estrelas que fizeram questão de me dizer isso: ‘deputado, em respeito ao senhor, queremos que saiba que nós das Forças Armadas entendemos que somos uma instituição de Estado e não de governo’. Deixaram claro que o fato de haver militares neste governo, não faz com que ele se identifique como um governo de militares. Eu percebo nos altos oficiais essa preocupação de separar as Forças Armadas do governo Bolsonaro.

Como o senhor viu a saída do ex-ministro Sergio Moro?
As razões que levaram à saída do ministro da Justiça são muito graves. Moro relatou ter recebido pressão para revelar informações sigilosas e manifestou que a decisão do presidente de substituir o diretor da PF se deu para poder controlar investigações em curso e ter acesso a informações sigilosas. É um fato da maior gravidade. Se fosse apenas isso, já haveria razão suficiente para que o presidente perdesse o cargo. O PSB, além do pedido do impeachment, pediu a abertura de uma CPI para investigar essa situação. Queremos a convocação do secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, para que explique como a assinatura do ministro da Justiça apareceu num documento que ele não assinou e foi publicado no Diário Oficial.

O presidente age pouco e fala demais?
Os parlamentares têm a imunidade que protege suas palavras, opiniões e votos. O discurso do parlamentar é protegido. Mas o discurso do presidente não tem essa proteção. Não existe imunidade presidencial. Por que? Porque as palavras do presidente geram resultados muito mais fortes na população. Ele precisa manter a dignidade do cargo também no discurso. Uma coisa é a pessoa ser mal educada, como lamentavelmente ele é. E outra coisa é crime de responsabilidade. As coisas que fala geram consequências nefastas na vida das pessoas. Elas ouvem o presidente dizer que o distanciamento social não é importante e vão para a rua.

Estamos perdendo tempo?
O que deveríamos fazer agora, se tivéssemos um presidente com a mínima noção da gravidade da situação e da relevância do seu cargo, seria unir forças para enfrentar o coronavírus e ter um resultado parecido com o que outros países tiveram, que foi um nível baixo de mortes. O Brasil deveria estar discutindo o período pós-pandemia. Qual é o novo normal que precisa ser criado, quais são as soluções para a economia emergir? Como é que vai ser a nova sociedade? É preciso lançar um olhar para o futuro, ter uma nova visão do Brasil. É o que a gente deveria estar fazendo. Mas o presidente faz o contrário. Em vez de proteger as pessoas, lança o País na insegurança e na instabilidade. Cria crises e, quando não cria, agrava as existentes. E fica o tempo inteiro mudando de foco. Seu governo é inconseqüente, indecente e criminoso. Diante de tudo isso, nós não poderíamos ficar omissos. Não era possível.