O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) dispensou o oferecimento de imóvel funcional. Alugou um apartamento de quatro quartos na Asa Sul em Brasília, cujo aluguel vai dividir com três de seus assessores. Ele também abriu mão de ajuda de custo para cobrir suas despesas com moradia. Ainda sem móveis, o apartamento até agora é exatamente o que se deveria esperar de uma casa de um jovem solteiro de 23 anos. Diversas caixas abertas em todos os cômodos. Roupas e sapatos espalhados pelo chão. Ao receber ISTOÉ na tarde de terça-feira 29, Kim estava sentado na beirada do colchão ainda sem cama que comprou para dormir. Não se deve, porém, subestimar a força do jovem deputado de primeiro mandato do DEM. Ele lidera o Movimento Brasil Livre (MBL), o principal dos movimentos sociais que se uniram pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e alavancaram a vitória de Jair Bolsonaro. Movimentos que o presidente considera essenciais para pressionar o Congresso a aprovar seus principais projetos, especialmente a reforma da Previdência. Mas Kim avisa: Bolsonaro não deve esperar alinhamento automático. Ele e o MBL serão independentes e apoiarão somente aquilo que considerarem coincidente com suas bandeiras e pensamentos. Cada ponto terá de ser conquistado pelo convencimento. E, nesse sentido, avalia Kim, o governo Bolsonaro falhou na largada.

O que se deve esperar quanto à sua postura a partir da próxima semana: se integrar incondicionalmente à base do governo ou ter uma posição mais independente?

Mais independente. Depende muito da posição e do projeto do governo. Porque apoio incondicional tem muito a ver com fisiologismo. Tem muita relação com o fato de você ter cargo no governo. Não trabalho assim.

Essa posição que o senhor está mantendo agora de independência pode ser uma característica semelhante a de outros parlamentares, que também vieram de movimentos sociais?

Eu acho que sim. Todos esses que se elegeram com voto de opinião, principalmente, via redes sociais, devem muito mais satisfação ao eleitorado do que ao governo. E é assim que tomarão as suas decisões.

O que torna mais complicado o trabalho do governo…

Vai ter que nos convencer em cada matéria.

Nesse sentido, o governo está convencendo? O que o senhor destaca de acertos e de erros neste primeiro mês?

De acerto, principalmente a escolha dos ministérios. Especialmente na área econômica, com a qual tenho mais contato, o perfil das escolhas é muito bom. Agora, o grande problema é essa confusão inicial. A sensação de uma falta de trânsito com o Congresso. Uma das principais falhas do governo é essa bateção de cabeça entre os ministros. Um desautorizando o outro. Até o próprio presidente Bolsonaro foi desautorizado. Falta coesão dentro do governo sobre o que está sendo defendido. Está tudo muito disperso. O governo está mal organizado. Este primeiro momento após as eleições é o momento em que o governo tem condições de gerar fatos bons, para catalisar a popularidade do início de mandato. Para obter a margem necessária para a aprovação de temas como a Reforma da Previdência, com um apoio popular. Um tempo de lua de mel com o eleitor que tem que ser melhor aproveitado.

E esse tempo o senhor avalia que foi desperdiçado?

Acho que acabou sendo desperdiçado. Por essa confusão inicial e especialmente pelo desgaste com a história do senador eleito Flávio Bolsonaro (filho do presidente). As explicações dadas até agora não convencem. Demora para se dar uma explicação oficial. A ação no STF para tecnicamente tirar dúvida de qual seria o foro, ao mesmo tempo, pede a suspensão da investigação. Apesar de não ser uma atitude do governo, isso naturalmente causa desgaste naturalmente, porque é com o filho do presidente.

Como o senhor avalia as explicações dadas? Ou a falta delas?

Até agora, tudo parece injustificável. Até agora, o senador não foi dar as suas explicações ao Ministério Público. Vai à imprensa, diz que tem documentos, mas diz que só vai mostrá-los ao Ministério Público. Até agora, não foi lá mostrar. Aí, diz que os proventos que recebeu foram fruto de atividade empresarial. Mas depois se descobre que a empresa não existia na época da movimentação. Emprega não apenas o motorista Fabrício Queiroz, mas também a mulher e duas filhas. E uma delas é funcionária fantasma. Isso não tem explicação. Eu acho indefensável. A condenação se torna cada vez mais inevitável.

E questão do suposto envolvimento com as milícias?

Acho que, por enquanto, está incipiente, mas é outro ponto que ainda não foi esclarecido.

Há um discurso de Flávio Bolsonaro em que ele defende a existência de milícias. O senhor acha que a existência de milícias pode ajudar na segurança pública?

Não pode haver Estado paralelo.

O senhor acha que esse caso pode enfraquecer as ações de combate à corrupção, principal base de ação do ministro da Justiça, Sergio Moro?

Acho que o risco maior é enfraquecer a relação com o Congresso. A agenda do ministro Moro a essa altura talvez seja maior que o próprio governo. Ela é uma agenda da sociedade, dos movimentos sociais. Mais comprometedor pode ser para a agenda econômica, que é mais polêmica, mais difícil de ser aprovada.

Como o senhor avalia o vazamento das informações do Coaf? Reclamar desses vazamentos não é incoerente comparado ao que acontecia quando vazavam informações envolvendo nomes do PT?

No mundo ideal não devia vazar informação em situação nenhuma. Infelizmente, não vivo nesse mundo. Há vazamento. E não se pode aplaudir quando há vazamento para um lado e criticar quando há para o outro.

O governo confia muito na possibilidade de utilização dos movimentos sociais para levar o Congresso a aprovar seus projetos. O MBL, como um desses movimentos, poderá cumprir esse papel? Poderá ser um braço do governo?

Um braço do governo não. Podemos catalisar as agendas com as quais concordamos. Uma delas é a reforma da Previdência. Mas isso não significa ser um instrumento do governo para outras pautas.

Se o senhor tivesse sido convidado para a viagem à China, na qual foram deputados do seu partido e do PSL, teria aceitado?

Não. Porque é muito prematuro. E parece que não havia um programa estruturado na agenda que eles iriam cumprir lá. Passou para a população uma impressão de que eles foram fazer turismo. Aliás, estou preenchendo a papelada pedida pela Embaixada do Japão, que me convidou para fazer uma viagem para visitar o país em março. E, aí sim, com uma agenda determinada de Educação e Segurança Pública para a gente importar o que for compatível com a nossa cultura e realidade econômica. Se não houver nenhuma votação crucial no período, eu vou aceitar o convite.

Mas o que difere esse convite do convite que foi feito aos outros deputados pela China?

Agenda clara. Além disso, eles ainda nem eram deputados. Não podiam oficialmente representar o Estado brasileiro porque não haviam sido empossados.

Qual sua posição em relação a alguns temas polêmicos defendidos por alguns ministros, como a questão da mudança da embaixada de Tel-Aviv para Israel?

Eu sou favorável à mudança da embaixada. Tem de haver reconhecimento máximo ao estado de Israel. É o único país da região que respeita os direitos humanos. Tem instituições sólidas que respeitam todas as religiões, todos os sexos. Reconhecimento merecido.

Mesmo que isso represente o risco de sanções econômicas dos países árabes ou a possibilidade o país entrar na mira do terrorismo?

Acho difícil o Brasil entrar na mira do terrorismo. No Brasil, morte por violência é uma coisa tão natural que o terrorismo aqui não choca como acontece nos países desenvolvidos, onde chama muito mais atenção. O risco de sanção econômica pode ser trabalhado. Nos Estados Unidos, quando a embaixada mudou, houve um atrito inicial que foi sanado. A gente pode fazer da mesma maneira.

E os riscos apontados pelos defensores da Escola Sem Partido, de disseminação do marxismo nas escolas e da chamada ideologia de gênero?

Não me lembre de ter visto alguém do governo falando claramente que há risco de ensino do marxismo nas escolas. O lema da Escola Sem Partido é impedir que qualquer ideologia, não apenas o marxismo, ganhe protagonismo nas escolas. Quanto à ideologia de gênero, há um esforço gigantesco da esquerda para transformá-la numa agenda educacional. Mas eu concordo com o que disse o senador Cid Gomes (PDT) em entrevista recente a ISTOÉ. As crianças não sabem nem o que é ideologia, nem o que é gênero. Antes, elas precisam aprender essas estruturas gramaticais.

Durante o processo de impeachment houve uma divisão muito grande do País, simbolizada pelos coxinhas e petralhas. O senhor acha que está na hora de superar essa divisão?

Acho que está sendo superado. A partir do momento em que existe a figura de uma direita republicana no debate público a tendência é superar. Porque, antigamente, ou você era de esquerda ou defendia a Ditadura Militar. Hoje, efetivamente, você tem a direita democrática. Cada vez mais a tendência é arrefecer os ânimos e ter mais discussões e divisões internas e ideológicas dentro dos próprios espectros ideológicos. Eu vejo isso acontecendo na esquerda. Isso se traduz muito no isolamento do PT. Na direita também. A nossa postura em relação ao governo Bolsonaro, nosso questionamento e o incômodo que esses questionamento geram e as represálias da militância mais radical para cima da gente fazem parte da quebra de paradigma. Antigamente, você tinha a polarização. Agora, dentro desses pólos você tem uma divisão onde se está formando esses pólos ideológicos.

Diante das críticas ao primeiro mês de governo, há algum arrependimento pelo voto em Bolsonaro?

Arrependido jamais porque a outra opção era muito pior. Provavelmente, num eventual governo de Fernando Haddad (PT), eu já estaria preso. Mas que o governo poderia estar fazendo algo bem melhor, poderia.